sábado, 22 de dezembro de 2012

Os rumos da revolução (Parte III)

Liberdade!


Nos dois últimos textos (Parte I e Parte II) falei sobre a causa e as consequências iniciais da Primavera Árabe. Agora, para finalizar, abordarei mais alguns casos específicos e colocarei em pauta os problemas que serão enfrentados pelos governos.

Na Tunísia, secularistas venceram mas agora sofrem; na Síria o sectarismo é cada vez maior

A Tunísia é o berço da Primavera Árabe. Foi lá que, em 2010, o comerciante Mohamed Bouazizi colocou fogo em seu próprio corpo e "acendeu" a revolta (não foi um trocadilho proposital). Posteriormente à queda do presidente Ben Ali, o secularista Moncef Marzouki foi eleito. O problema é que agora ele enfrenta quase os mesmos problemas que Ben Ali.

A população está cansada de sofrer. Está cansada de passar fome e de ser subjugada. Marzouki não é um ditador, muito pelo contrário, mas ele não pode até agora atender os anseios da população. Racionalmente falando é impossível que ele consiga reverter o quadro econômico de um país tão castigado em menos de dois anos. Não há como. Mas também não há como explicar isso para alguém que está sem emprego (o desemprego aumentou na Tunísia) e precisa sustentar sua família.  Em recente visita a Sidi Bouzid (cidade de Bouazizi), o presidente Marzouki e seu primeiro-ministro foram recebidos a pedradas. E isso só abre um espaço cada vez maior para os conservadores islâmicos, que já conseguiram angariar um grande número de simpatizantes. 

Na Síria, o conflito ainda está longe de ser resolvido. O presidente Bashar Al-Assad e seu exército, predominantemente alauíta, ainda resistem aos ataques rebeldes. Estes, por sua vez, foram reconhecidos por potências internacionais, conquistaram territórios e bases significativas mas ainda não têm condições de depor Assad. Nisso, o sectarismo aumenta cada vez mais. Aqueles que estão ao lado de Assad -principalmente alauítas e cristãos- tendem a sofrer se o próximo governo for islâmico.

Alguns diziam que antes da guerra civil a Síria era um paraíso de diversidades. Outros eram mais realistas dizendo que o país era um caldeirão de água pronta para entrar em ebulição a qualquer momento. Quem controlava isso era a família Assad, mas pelo visto Bashar nunca teve o pulso de seu pai Hafez. Com a oposição fragilizada, o muçulmanos fundamentalistas tiveram espaço para a agir e mostrar a "mão amiga" para os necessitados. É difícil prever o que acontecerá na Síria nos próximos tempos.

O que esperar daqui para frente?

Até agora, vimos que os primeiros governos que se instauraram -secularistas ou islâmicos- estão tendo problemas para se manterem firmes graças a impaciência da população já cansada de sofrer. Isso vai dificultar um pouco as coisas a menos que medidas rápidas e satisfatórias sejam tomadas. Uma delas, no caso do Egito, seria o abrandamento da Irmandade. Em artigo recente para a Al-Jazeera o professor Mark LeVine disse algo muito correto: que a tendência de determinados partidos quando chegam no poder é o abrandamento. Isso não acontece por uma questão ideológica, mas sim pelo ímpeto de quererem ficar onde estão.

Voltando a falar sobre economia, todos estes países precisarão de ajuda externa para se reerguerem (a Síria principalmente). Sendo assim, empréstimos como os que o Egito realizou serão comuns. Contudo, para que o FMI libere este dinheiro os países precisam fazer um acordo de corte de gastos (assim como na União Europeia, com o memorando). Em outras palavras, precisam passar por um período de austeridade que vem tradicionalmente após mudanças tão radicais.

Agora vamos pensar um pouco pelo lado da população: será que vai ser fácil aceitar isso? A resposta é clara e muito óbvia, não. Muitas dessas pessoas já enfrentaram dificuldades ao longo de suas vidas e não querem passar pela mesma coisa. A diferença é que agora eles não hesitarão em protestar quando necessário e isso dificultará as coisas para os governos.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Os rumos da revolução (Parte II)

Praça Tahrir.

No post anterior, citei um trecho do livro do professor Kissinger e exemplifiquei a situação da política egípcia nos últimos anos. Política esta que derrubou o ditador Hosni Mubarak visando ao menos tentar instaurar um regime democrático no país.

Vale relembrar algumas das palavras do professor Kissinger: "quando o governo é a principal, por vezes a única, expressão de identidade nacional, a oposição passa a ser considerada como traição. O profundo abismo social ou religioso de muitas das nações novas transforma o controle da autoridade política numa questão de vida e morte. Sempre que a obrigação política acompanha as linhas tribais, raciais ou religiosas, o autodomínio entra em colapso. Os conflitos internos assumem o caráter de guerra civil. A autoridade tradicional nas condições existentes vem a ser pessoal ou feudal".

Serão demasiadamente úteis para esta postagem pois, a partir delas, reflexionarei a atual situação política dos países que passaram pela Primavera Árabe (com foco no Egito outra vez) e os grupos que tiveram significativa ascensão. Ademais, o quadro econômico também será levado em questão, devido ao fato de estas nações precisarem passar por regimes de austeridade para uma possível recuperação.

A lógica ascensão da Irmandade Muçulmana

Com a queda dos regimes anteriores já era esperado que grupos islâmicos ganhassem força e tomassem o poder. A verdade é que eles nunca perderam força efetivamente, tanto que foram "cirurgicamente" marginalizados pelos governos. No Egito, Hosni Mubarak contrariou Anwar Al-Sadat e voltou a considerar a Irmandade Muçulmana criminosa. Esta medida nos dá uma boa noção da influência que as organizações religiosas conservadores têm nestes países.

Mas por que justamente a Irmandade Muçulmana ganhou tanta força? Bom, para respondermos a esta pergunta precisamos voltar ao ano de 1928 quando, no Egito,  o professor e imã Hassan Al-Banna decidiu criar uma organização pacífica e política cujos preceitos eram baseados no Alcorão e na Sunnah. Esta organização era Al-Ikhwan Al-Muslimun, a Irmandade Muçulmana. Durante anos Ikhwan prestou assistência aos pobres, ensinou analfabetos e ajudou a população, conquistando grande simpatia.

Com o passar do tempo sua influência foi se estendendo por outros países islâmicos e a política da não-violência passou a agradar. Inclusive, quando o grupo terrorista Hamas foi fundado, em 1987, um de seus idealizadores, o Sheik Ahmed Yassin, foi expulso da Irmandade haja vista que o grupo desde o início queria pegar em armas contra o estado de Israel.

Este aparente pacifismo é ótimo, mas não tira o caráter conservador da Irmandade. Para eles, o islã e a política caminham juntos. E a sharía deve estar presente em qualquer governo. Entenderam? Desde os seus primordes Ikhwan é um movimento político, por isso ascendeu tão rapidamente logo que os governos autoritários caíram. Sua grande organização lhes permitiu que oferecessem uma alternativa à carente população. E, além disso, não havia mais partidos que pudessem concorrer de igual para igual com os islamistas. Em outras palavras, a repressão conseguiu deter os secularistas mas não os conservadores religiosos.

Voltando ao Egito, a Irmandade está no poder mas a crise continua

Logo que Hosni Mubarak caiu e eleições presidenciais puderam ser realizadas no Egito, a Irmandade Muçulmana, através do Partido da Liberdade e Justiça, chegou à presidência com Mohamed Morsi. O engenheiro de formação que estudou nos EUA queria mostrar que se distanciaria um pouco do conservadorismo de seu partido e seria mais centralizador. No entanto, essa imagem que ele estava tentando passar durou pouco. Digamos que até seu decreto faraônico (comentei sobre ele aqui e aqui).

Com medo de uma nova ditadura, desta vez islâmica, a população foi às ruas protestar novamente. O problema é que não havia uma oposição forte para defrontar o presidente. Recordem-se que no trecho acima falei a respeito da desorganização dos secularistas. Pois é, isso de certa forma facilitou as coisas para a Irmandade que não tinha um rival político a altura. Os opositores mais significativos eram considerados felool (termo pejorativo utilizado para se referir aos remanescentes da era Mubarak) e marginalizados pela Irmandade, exatamente da mesma forma que descreveu o professor Kissinger no trecho inicialmente mencionado.

Para se ter uma ideia, a oposição só conseguiu certa organização poucos dias antes  do primeiro turno do plebiscito que visaria aprovar ou não a nova Constituição. A "unificação" se deu com a criação da Frente de Salvação Nacional, que tentou englobar -sob a liderança de Ahmed Shafiq e Mohamed El-Baradei- todos aqueles que eram contra as decisões do presidente Mohamed Morsi e da Irmandade Muçulmana. Basicamente, a primeira reação da Irmandade foi classificar a todos como felool, não importando a qual vertente política pertenciam.

A tendência é que a Constituição baseada na sharia seja mesmo aprovada no Egito. Alguns veem isso como o primeiro passo para a democracia, mas é difícil acreditar que seja mesmo. Se qualquer artigo está submetido à lei islâmica, ele pode ser deturpado de forma conservadora. Quem mais sofre com isso? Principalmente os cristãos coptas (que formam 10% da população) e as mulheres.

No âmbito econômico, os dados também não são muito bons. A crise de 2011 para cá se intensificou muito e o turismo, uma das principais fontes de renda egípcia, foi significativamente prejudicado. O presidente Morsi já recebeu ajuda dos Estados Unidos mas precisa de mais. Recentemente negociou um empréstimo com o FMI. No entanto, o dinheiro só será liberado quando o país atingir certa estabilidade, isto é, quando sua Constituição for aprovada. A aprovação, em si, será o menor dos problemas para a Irmandade. O difícil mesmo será enfrentar a ira da oposição depois.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Os rumos da revolução (Parte I)

Mohamed Bouazizi, o estopim da Primavera Árabe.

Em seu livro "Política Externa Americana", publicado em 1969, o professor Henry Kissinger -assessor do presidente Richard Nixon para assuntos de segurança- assim descreveu a instabilidade política nas novas nações:

"Quase todas as nações novas sofrem de um mal-estar revolucionário: as revoluções vencem através da incidência de todos os rancores. A eliminação das estrutura existentes, porém, promove a dificuldade de estabelecer acordos políticos. Uma revolução vitoriosa deixa como legado um profundo desajuste. Nos países novos, contra todas as previsões revolucionárias, a tarefa construtiva surge menos fascinante e mais complexa do que a luta pela liberdade; a exaltação da busca pela independência não pode ser perpetuada. Mais cedo ou mais tarde, objetivos positivos devem substituir os rancores do antigo poder colonial como força motriz. Na ausência de forças sociais autônomas, este papel unificador deve ser interpretado pelo Estado.

A aceitação do papel por parte do Estado não produz estabilidade. Quando a coerência social é superficial, a luta pelo controle da autoridade é relativamente mais dura e amarga. Quando o governo é a principal, por vezes a única, expressão de identidade nacional, a oposição passa a ser considerada como traição. O profundo abismo social ou religioso de muitas das nações novas transforma o controle da autoridade política numa questão de vida e morte. Sempre que a obrigação política acompanha as linhas tribais, raciais ou religiosas, o autodomínio entra em colapso. Os conflitos internos assumem o caráter de guerra civil. A autoridade tradicional nas condições existentes vem a ser pessoal ou feudal. O problema está em torná-la 'legítima' -desenvolvendo uma noção de deveres políticos que dependam mais de normas legais do que de um poder coercitivo ou de lealdade pessoal.

Este processo durou séculos na Europa. Deve ser atingido em décadas pelas novas nações onde as condições prévias de sucesso são menos favoráveis do que em períodos equivalentes no continente europeu. Estas nações estão sujeitas a pressões externas; há uma compensação nas aventuras externas que é a de atrair a coesão doméstica. A falta de estruturas internas provoca as já tão marcantes instabilidades internacionais". 

O respeitabilíssimo professor Kissinger, neste contexto, referia-se principalmente aos processos de independência de países do Oriente Médio, da África Subsaariana e do Magreb Islâmico. Estas novas nações ainda passariam por um longo período de estabilização nos âmbitos social, político e econômico. Na verdade, ainda estão passando, haja vista que, após atingirem a independência, muitos destes países se submeteram a violentas e repressivas ditaduras. Alguns saíram do domínio colonial direto para ditaduras, outros ainda enfrentaram autocracias corruptas que os levaram a ditaduras.

Para entendermos o por que da Primavera Árabe, é necessário que tenhamos em mente os acontecimentos históricos que culminaram nas revoltas contra os Estados. Todas as nações revoltosas protagonistas são exemplos clássicos da situação descrita no parágrafo anterior. Assim sendo, nos vale tomar e dissecar o contexto egípcio.

De Muhammad Ali a Hosni Mubarak

Basicamente o Egito foi dominado desde 1805 até o início da década de 1950 pela dinastia Muhammad Ali. Esta iniciou-se com Muhammad Ali Pasha, comandante albanês do Império Otomano que seria encarregado de forçar a retirada das tropas francesas da região. Após fazê-lo, decidiu ficar a formar para si um protetorado que, com o tempo, tornou-se mais próspero economicamente que o próprio Império Otomano, abrangendo também o Sudão. Em meados de 1880 deu-se o domínio britânico, mas a dinastia Muhammad Ali seguiu no poder, sem qualquer oposição ao subjugo da Grã-Bretanha.

A situação só mudou de verdade na Revolução de 1952, quando uma comissão militar forçou o rei Farouk I a abdicar em favor de seu filho, o jovem Ahmed-Fuad, denominado Fuad II que então tinha menos de 1 ano de idade. Esta estratégia dos militares serviu para apaziguar os temerosos britânicos e dar-lhes tempo para que pudessem se estabelecer no governo. Em 1953 o moderado general Mohamed Naguib, um dos idealizadores da revolução, foi empossado presidente, primeiro-ministro e líder do Conselho do Comando Revolucionário (CCR, que era o SCAF da época). Sua ideia era liderar um governo de transição que pudesse abrir caminho para uma presidência civil.

No entanto, outro militar forte e idealizador da revolução, o coronel Gamal Abdel Nasser, não estava contente com a perspectiva de que comunistas e conservadores religiosos - Irmandade Muçulmana- chegassem ao poder. A partir daí começou uma disputa entre Nasser e Naguib, sendo vencida pelo primeiro que instaurou uma ditadura nacionalista no país. Apesar do acordo de armas com a Checoslováquia e do financiamento soviético, Nasser nunca se declarou  pró-URSS. Seu lobby estava entre os não-alinhados e seu "carro-chefe" era o pan-arabismo. Dentro do Egito, ele perseguiu seus opositores (até mandou matar os que tentaram assassiná-lo pouco antes de ele assumir o poder) e deixou a democracia apenas para alguns discursos. Na prática, nada.

Nasser morreu em 1970 vítima de um infarto e deixou o poder nas mãos de seu vice-presidente e grande amigo, Anwar Al-Sadat. Muitos viam Sadat como um político fraco e manipulável, mas ele mostrou o contrário. Utilizou-se de inúmeras estratégias que o mantiveram no poder e procurou um distanciamento das políticas ditatoriais de seu antecessor: incentivou os movimentos islamistas tirando a Irmandade Muçulmana da clandestinidade; promoveu uma aproximação com o Ocidente; e, no âmbito econômico, instaurou a Infitah, que foi a abertura do Egito para investimentos externos e privados.

O que não agradou muito os islamistas e demais países árabes foi o processo de paz com Israel. Após a Guerra do Yom Kippur, em conjunto com Hafez Al-Assad (pai de Bashar Al-Assad), Sadat viu a necessidade de entrar em um acordo com os israelenses e começou a colocar a ideia em prática já no ano de 1974. Em 1979 foi assinado o "Tratado de paz egípcio-israelense" (após os acordos de Camp David), o que rendeu a Sadat e ao então premiê israelense, Menachem Begin, o prêmio Nobel da paz.

O preço que Sadat precisou pagar para promover um pouco de estabilidade na região foi alto. Em 1981, durante uma parada em carro aberto no Cairo, ele foi assassinado. O comandante do grupo executor, Khalid Islambouli, foi condenado a morte um ano depois. Para muitos, Hosni Mubarak teve participação ativa no golpe, não só por ter saído ileso como também pelas inúmeras "coincidências" que se deram no momento: a inatividade dos seguranças presidenciais e caças passando sobre o presidente no exato instante que os tiros foram disparados.

A sucessão de Sadat se deu da mesma forma que a de Nasser. Quem assumiu o poder foi o vice, ou seja, Hosni Mubarak. A história deste já conhecemos muito bem: governou o país de 1981 até 2011 promovendo uma ditadura muito semelhante a de Nasser, mas com uma política externa bastante limitada e fechada. Cuidou ao menos de manter de pé os acordos de paz feitos por seu antecessor com Israel. No âmbito interno procurou marginalizar outra vez a Irmandade Muçulmana e isolar as diferentes classes políticas do país, alegando "proteção".

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Il ritorno di Bunga-Bunga

Monti e Berlusconi.

Até para aqueles que leem apenas sites de fofocas o apelido "Bunga-Bunga" já é bem conhecido. Trata-se do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, conhecido pelos gravíssimos escândalos sexuais (envolvendo, supostamente, até prostitutas menores de idade) e de corrupção, que forçaram seu afastamento do governo. O problema é que, possivelmente para fugir de todas estas acusações, ele resolveu voltar a ativa e anunciou que irá concorrer a premiê nas eleições gerais de 2013.

Esta decisão não poderia ter vindo em pior momento (na verdade nenhum momento seria bom para ela), porque o governo de Mario Monti estava prestes a aprovar o orçamento para 2013 e o mercado finalmente havia deixado a Itália em paz. Mas aí aparece Berlusconi e joga o trabalho do senhor Monti no lixo. O comunicado foi feito pelo secretário do partido do Povo da Liberdade (PDL), Angelino Alfano, que é mais um boneco facilmente manipulável de Berlusconi.

Inclusive acreditava-se que Alfano seria o candidato do PDL. Estava tudo preparado para que tal fato realmente se consumasse e o próprio Alfano por vezes deixou transparecer seu desejo. No entanto, o poder de Berlusconi dentro do PDL é tamanho que ele obrigou Alfano a deixar sua ambição de lado e fazer o anúncio formal. Este período de aparente calmaria para o ex-premiê serviu para ele pressionar membros de seu partido a apoiarem-no para as próximas eleições.

Ao saber que o PDL retirou o apoio a seu governo e que Berlusconi voltaria, o senhor Mario Monti reuniu-se com o presidente Giorgio Napolitano e anunciou que se demitiria logo que o orçamento para 2013 fosse aprovado. Isso não só assustou -outra vez- o mercado como também o povo italiano. Monti não é tão popular dentro do país quanto fora, mas ainda assim tem o respaldo de um significativo número de pessoas.

Toda esta reviravolta aconteceu quanto a esquerda, representada pelo Partido Democrático (PD), se mostrou revigorada e pronta para oferecer uma alternativa aos corruptos do PDL (me recuso a chamar o PDL de Berlusconi de centro-direita). Nas primárias, o experiente Pier Luigi Bersani (ex-membro do Partido Comunista Italiano) venceu o jovem (30 anos) Matteo Renzi, atual prefeito de Florença e mais moderado (democrata-cristão). Apesar dos 60% dos votos em favor de Bersani no segundo turno, o PD também mostrou uma certa divisão.

Ainda que caótico, o cenário político para o PD aparentemente era "menos pior", porque Bersani estava liderando todas as pesquisas. Aliás, todas as pesquisas que não sugeriam uma coalização encabeçada por Monti como candidato. A verdade é os setores mais centristas clamam por Il Professore Mario Monti. Nesta semana o presidente da Ferrari, Luca Cordero di Montezemolo, apresentou uma plataforma cujo candidato seria o atual premiê. Seu apoio, ainda dentro do cenário do político, é muito forte. Conta com os centristas, descontentes do PD e do próprio PDL e até a Igreja Católica. De momento só falta sua confirmação.

Tentando diminuir a vergonha -já que as atuais pesquisas o situam atrás até do partido criado pelo comediante Beppe Grillo- Silvio Berlusconi apelou para o populismo (chegou a dizer que o spread* era uma invenção da Alemanha) e implorou o apoio do partido de extrema-direita Lega Nord, seu antigo aliado. Ele só não contava com um grande "não". Roberto Maroni, líder do partido, disse que só apoiaria o PDL se Berlusconi não fosse o candidato.

Com o cerco se fechando não houve outra alternativa a Berlusconi se não recuar. Nesta quinta-feira (13) ele anunciou que retiraria sua candidatura caso Mario Monti se apresentasse. Il Professore ainda não se manifestou. Outra possibilidade é que ele esteja visando a presidência, já que o senhor Giorgio Napolitano disse que não pretende nomear um primeiro-ministro se não houver maioria absoluta no parlamento.

Em suma, o futuro político da Itália depende de Mario Monti. Se sua candidatura realmente for lançada, ele vai angariar votos das três principais correntes partidárias e tende a ganhar. Se isso não acontecer, o PD levará certa vantagem, mas não sabemos se terá a grande maioria no parlamento ou se conseguirá formar coalização (o que de momento parece complicado).

*Spread é a diferença, ou sobrepreço, de compra e venda de títulos da dívida. No caso da UE, o cálculo é feito comparando as taxas de interesse do país (a Itália, por exemplo) com a Alemanha, nação que apresenta maior confiança. Resumindo, o spread mede a confiança dos investidores na solidez de uma economia.

Só para constar, na Itália apelidaram o neto de Mario Monti de spread. O próprio premiê contou esta história.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Dilma precisa de um tradutor

Este blog foi criado para tratar apenas de assuntos internacionais, em virtude de minhas fortes opiniões a respeito da política brasileira. Entretanto, ao ler a resposta completamente incoerente da presidente Dilma Roussef ao artigo da revista Economist, não pude me conter.

Imagem que ilustrou a matéria na Econimist.

O que os veículos de comunicação brasileiros divulgaram foi o seguinte: a Economist sugeriu uma uma demissão do ministro da Fazenda, Guido Mantega. E então a presidente logo respondeu dizendo que "em hipótese alguma o governo brasileiro, eleito pelo voto direto e secreto vai ser influenciado pela opinião de uma revista que não seja brasileira". Meu Deus! Basicamente houve uma verdadeira omissão de informações por parte dos dois lados.

Curiosamente os sites brasileiros não divulgaram o link da matéria intitulada "A breakdown of trust" e Dilma deu uma resposta mostrando toda a sua falta de conhecimento sobre um meio de comunicação que é uma referência mundial, classificando simplesmente como "uma revista que não é brasileira". Ela basicamente menosprezou a maior referência -por parte da imprensa- do conservadorismo atual. Quanta cultura, não?

Outra coisa que me intriga muito é por que os meios de comunicação não foram específicos ao descreverem a matéria. Aliás, só falaram da "Breakdown of trust", mas há outra também muito interessante, a "Stelled: a long-awaited recovery still fails to materialise". Esta última, inclusive, traz uma série de dados precisos que deveriam ser levados em consideração, mas foram completamente esquecidos até mesmo pelos opositores de Dilma Rousseff.

Abaixo transcreverei os principais trechos da primeira matéria mencionada:

"Apesar dos esforços cada vez mais frenéticos oficiais de estímulo, a criatura moribunda cresceu apenas 0,6% no  terceiro trimestre, o que equivale a metade da previsão de Guido Mantega. A maioria dos analistas de mercado espera que o crescimento do PIB seja inferior a 1,5% este ano.

"Os motores do crescimento que alimentaram o Brasil na última década são agora falhos. Os preços das commodities, embora ainda elevados, não são mais crescentes. Os consumidores estão usando a maior parte de sua renda para pagar os empréstimos com os quais haviam comprado carros e televisões. Em vez de depender do consumo, o crescimento agora tem de vir de uma maior produtividade e investimento.

"Nos últimos 15 meses o Banco Central reduziu os juros em 5,25 pontos percentuais, para 7,25%  (apenas dois pontos acima da inflação). Isso enfraqueceu a moeda e ajudou os fabricantes. O governo cortou impostos sobre os salários para a indústria (mas não a maioria dos serviços).

"Apesar de tudo isso o investimento caiu em cada um dos últimos cinco trimestres. Agora equivale a apenas 18,7% do PIB, contra 30% no Peru em 2011 e 27% em Colômbia e Chile".

Precisa dizer mais alguma coisa? A revista, como sempre, se baseou em bons e fortes argumentos para criticar o governo da senhora Dilma. E ela respondeu assim: "vocês não sabem que a situação deles é pior que a nossa? Pelo amor de Deus, (é pior) desde 2008. Nenhum banco, como o Leman Brothers, quebrou aqui. Nós não temos crise de dívida soberana, nossa relação dívida-PIB é de 35%, nossa inflação está sob controle. Temos 378 bilhões de dólares de reserva".

Comparando a atual situação, a crise realmente afetou mais os Estados Unidos e a União Europeia que o Brasil. Ninguém disse o contrário. Mas por que raios ela começou a falar da dívida e das reservas quando o assunto em pauta é a previsão imprecisa do senhor ministro Mantega? E ela ainda completou: "tudo isso se dá porque os juros caíram no Brasil? Os juros não podiam cair aqui?"

Eu poderia argumentar, mas é melhor citar o trecho da segunda matéria:

"A mais desagradável surpresa foi a queda dos investimentos, apesar dos esforços do governo para reduzir os custos do negócio. Um imposto sobre a moeda estrangeira e as intervenções do Banco Central têm projetado uma queda  dolorosamente forte no real de cerca de 20% desde fevereiro.

"Tudo isso soa como um sonho empresarial brasileiro, na realidade. Então por que o esperado boom de investimentos não se materializou? A abordagem arrogante e hostil do governo para com o setor privado parecem ter afugentado os investidores que esperava atrair. Preços de eletricidade, por exemplo, são os terceiros mais caros do mundo".

Viram só? A senhora Dilma não falou sobre os reflexos da baixa de juros e outras medidas. Comentou apenas que o fez e sempre se mostrou arredia quando qualificada -justamente!- como protecionista. Ao ser enquadrada pela Economist a honorável presidente simplesmente desconversou e se mostrou bastante irritada.

E mais uma vez a onerosa máquina estatal aparece sem condições de administrar tudo aquilo a que se propõe, adotando até medidas incorretas e desesperadas. O que qualificavam "privataria" é o que estão tentando incentivar agora mas não conseguem. Nenhum empresário é maluco o suficiente para acreditar na promessa de não-intervenção no governo. Já ouviram a frase "o capitalismo é baseado na confiança?" Parece que o governo brasileiro ainda não.

Antes que me esqueça, o trecho que, segundo a imprensa brasileira, sugeriu a demissão do senhor Mantega é este: "a preocupação é que a presidente seja 'intrometida-em-chefe'. Mas ela insiste que é pragmática. Se assim for, ela deve demitir Mantega, cujas previsões demasiado otimistas perderam a confiança dos investidores, e nomear uma nova equipe que seja capaz de recuperar a confiança dos negócios". Agora me digam, as matérias de Economist são mentirosas? Se forem, peço por favor que provem.

Clique neste link para ler "A breakdown of trust".

Clique neste link para ler "Stelled: a long-awaited recovery still fails to materialise".

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Após decreto faraônico, Morsillini lança o projeto de Constituição

Morsillini tendo atitudes de seu antecessor.

Como mencionei no primeiro podcast do Internationale Actuelle, o presidente egípcio Mohamed Morsi ficou com muita moral após mediar o cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Estes "bons ventos" o fizeram anunciar, logo depois, um decreto faraônico onde concentrava todos os poderes em suas mãos até que uma nova constituição fosse elaborada no país. Ademais, nenhuma de suas decisões precisaria passar por qualquer revisão judicial.

Mas com que intuito fez isso? Alguns colocam tal atitude como puro despotismo por parte dele e outros como jogada de poder da Irmandade Muçulmana. O mais provável é que ambos estejam corretos. No entanto, vamos analisar a ordem dos fatos: assim que Morsi foi eleito (realmente poucos dias depois) o Parlamento foi dissolvido pelo SCAF (Conselho Supremo das Forças Armadas) em virtude do descontentamento da população. Vale mencionar que o Partido da Liberdade e Justiça ( Irmandade Muçulmana ou Ikhwan), detinha a maioria dos assentos.

Vendo o poder do SCAF, Morsi resolveu tomar uma atitude e afastou a maioria dos generais de seu entorno. Este era apenas o primeiro passo para que ele e seu partido tomassem definitivamente o poder. Aos poucos os membros da Irmandade foram introduzidos nos principais ministérios, deixando os papeis coadjuvantes para cristãos (coptas), liberais e mulheres. Até aqui nenhuma surpresa.

O problema é que nas últimas semanas houve uma série de absolvições de ex-membros do governo Hosni Mubarak. Isso jogou a população contra o Conselho dos Magistrados e deu espaço para a Irmandade agir. Aproveitando-se do momento o presidente lançou o decreto visando proteger sua  nova Assembleia Constituinte- que também corria o risco de ser dissolvida pelo Supremo Tribunal Constituinte- e garantir que suas decisões não sofreriam quaisquer interferências de pessoas ligadas ao antigo regime.

Justificativa inteligente mas não correta. O professor Nathan Brown explica por que: "todos os membros da corte eram de fato nomeados pelo presidente. Mas a maioria foi indicada pelos próprios juízes e sua nomeação resultou em mera formalidade cumprida por Hosni Mubarak.

"O ex-chefe de justiça, Farouk Sultan, era de fato um 'fantoche' de Mubarak, mas ele teve apenas um voto e se aposentou no verão. Em seguida foi substituído por um presidente escolhido por juízes do tribunal".

Em suma, o tribunal, diferentemente de outros setores dos três poderes do atual Egito, não é composto por muçulmanos. Tal situação poderia se converter em uma pedra no sapato do presidente, haja vista que a dissolução da Assembleia Constituinte já era tratada como iminente. Recordam-se que no início mencionei uma possível jogada política de Ikhwan? Pois então, para Eric Trager, especialista na Irmandade Muçulmana o partido não tem nada de democrático e as esperanças externas alimentadas após a eleição de Morsi foram extremamente ingênuas.

"O partido não tem nada de democrático", afirmou Trager, "o próprio processo pelo qual o jovem se torna um irmão muçulmano é feito para 'descartar' os mais moderados. Os que prosseguem passam pela lavagem cerebral que consiste em memorizar trechos do Alcorão e textos de Hassan Al-Banna, fundador da entidade".

Tiger também recorda que a Irmandade não tolera pluralismos. Para aclarar esta afirmação ele menciona que, após a queda de Mubarak, os membros que não apoiaram a criação de um único partido foram expulsos. Inclusive Abouel Fotouh, que era o candidato favorito da entidade para a presidência, foi banido por discordar de algumas posições.

No projeto de Constituição que precisará passar ainda por um referendo popular, vemos com muita clareza as influências de Ikhwan. O segundo artigo diz o seguinte: "O Islã é a religião do Estado e seu idioma oficial é o árabe. Princípios da Sharía islâmica são a principal fonte da legislação". Saber que a Sharía inspira a Constituição egípcia não é a melhor das perspectivas.

Logicamente a vertente mais radical da lei islâmica não será aplicada no Egito como em outros países, mas o simples fato de a Sharía ser mencionada é mau sinal. Tentando amenizar a situação há outros artigos pregando a igualdade  absoluta entre homens e mulheres. Além disso, a liberdade religiosa é garantida. Vamos ver se isso funciona na prática. Os cristãos coptas já cansaram de ser perseguidos e acusados -em certa ocasião pela própria Irmandade Muçulmana- de inimigos do Islã.

Outro artigo que chamou a atenção foi o 31. Nele está escrito: "Insultar ou injuriar qualquer ser humano deve ser proibido". Analisando superficialmente parece normal. Mas a verdade é que este artigo pode ser utilizado para "neutralizar" aquele que garante liberdade de imprensa. Explico: se algum jornalista por acaso criticar o presidente, pode ser acusado de "insulto" (não importando as palavras que use), já que no artigo não há a especificação de como deve ser este "insulto".

É importante também mencionar o artigo 64. Por intermédio dele o governo garante sustentar as famílias daqueles que morreram na revolução que derrubou o ex-ditador Hosni Mubarak. Uma obrigação que, felizmente, foi colocada no papel.

Só saberemos de fato se esta será a nova Constituição do Egito após o referendo popular. Até lá veremos como o presidente-faraó Mohamed Morsi se comporta. Ademais, a coisa não deve ser tão fácil quanto parece. A oposição não vai deixar barato tanto acúmulo de poder nas mãos da Irmandade Muçulmana.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Indiferença para Israel, maior moral para o Hamas e enfraquecimento do Fatah

Médicos palestinos comemoram o cessar-fogo.

Nesta quarta-feira (21) finalmente foi acordado um cessar-fogo entre Israel e o grupo terrorista Hamas. O acordo foi mediado pelo Egito e pelos Estados Unidos (Hillary Clinton viajou para o Oriente Médio nesta semana). O saldo foi de 167 mortos no total (sendo 162 palestinos), mesmice para o poder de dissuasão israelense e um fortalecimento do Hamas.

Assim como a operação Chumbo Fundido, comandada por Ehud Olmert, Pilar de Defesa não tinha como objetivo destruir o Hamas e ocupar a Faixa de Gaza, mas sim aumentar seu poder de dissuasão na região e reduzir consideravelmente, pelo menos por enquanto, o poder de fogo do grupo terrorista. Analisando os números, isso deu certo: foram mais de 1.500 ataques aéreos (sendo 19 em centros de comando superiores), 30 membros importantes dos grupos terroristas (considerando Hamas e Jihad Islâmica) mortos e centenas de lançadores de foguetes subterrâneos destruídos. Além disso, o sistema de defesa Iron Dome se mostrou extremamente eficaz, realizando 421 interceptações, o que corresponde a 84% do total de mísseis que penetraram Israel.

Mas se os números dizem uma coisa, por que algo tão distinto ocorre na prática? Como já foi mencionado aqui no IA, o Hamas ganhou um pouco mais de apoio após a Primavera Árabe e, querendo ou não, se fortaleceu consideravelmente nos últimos anos. O primeiro indício desta evolução foi justamente o alvo inicial da operação Pilar de Defesa, Ahmed Jabari. Ele não era um líder político, mas sim militar. Isso significa que Israel tinha plena consciência do perigo oferecido pelo grupo terrorista a seu território.

Ademais, muitos analistas acharam um tanto exagerada a importância que o governo de Jerusalém deu ao Hamas logo no início do conflito, falando diretamente ao grupo após ataques perpetrados por facções que podem ser consideradas como suas subordinadas dentro de Gaza. Mas a verdade é que Netanyahu foi correto em todas as suas atitudes, sobretudo esta, haja vista que a esfera de influências do Hamas realmente é bem maior do que a de quatro anos atrás.

Quando os boatos de cessar-fogo tiveram início, poucos poderiam imaginar que Israel aceitaria negociar com terroristas. Mas ao fim de tudo exigências foram atendidas. Destaque para a abertura das fronteiras para a circulação de bens e pessoas. Recordam-se que no último post comentei sobre uma possível abertura do terminal de Rafah? Pois então, o "palpite" de Ehud Yaari realmente estava certo e o Egito fez esta concessão aos palestinos. Ainda não se sabe até que ponto chegará esta abertura, mas já é um grande feito.

Quem não concordou muito com o cessar-fogo e suas condições foi a população israelense (além da oposição de Netanyahu, lógico). Segundo o Times of Israel 70% dos israelenses foram contra o acordo e apenas 24% se mostraram favoráveis. Ainda assim nada que, pelo menos por ora, abale as aspirações de reeleição do atual governo.

Ainda há opiniões um tanto controversas acerca do quão prejudicial foi o conflito para Israel. A unanimidade só gira em torno do significativo enfraquecimento da Autoridade Palestina frente ao Hamas. Para os palestinos, a forma como o Hamas resistiu (se é que o fato de se esconder covardemente atrás de civis pode se chamar resistência), foi quase heroica. A facção da bandeira verde ganhou total apoio da Cisjordânia, que se mostrou demasiadamente cansada com as promessas de Mahmoud Abbas e, principalmente, com a ocupação transfronteiriça ilegal de Israel. Ramallah ficou quase deserta nos últimos dias.

É importante que uma coisa fique bem clara: uma "derrota" do Fatah também pode ser prejudicial a Israel porque, a priori, o grupo é mais moderado e tem defendido um acordo de paz respeitando a fronteira de 1967. Como bem disse Richard Haass, presidente do Conselho de Relações Exteriores dos EUA, Israel deveria buscar na AP um aliado para intensificar o projeto de paz e colocá-lo, por fim, em prática.

Haass, que foi enviado pelos EUA para o processo de paz na Irlanda do Norte, disse que Israel deveria buscar no Fatah "a sua Irlanda do Norte". E tal observação é muito precisa. O problema é que agora, decadente como está, a AP não mais parece uma solução tão viável -e confiável- para o povo palestino. Devemos ter medo se o Hamas passar efetivamente a ser considerado esta "solução".

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O Egito é a maior esperança de um cessar-fogo

Reunião dos ministros israelenses. Times of Israel

Atualização do conflito

Estamos caminhando para o sétimo dia da operação israelense Pilar de Defesa na Faixa de Gaza e, segundo Al Jazeera, o número de mortos chega a 110 (o de feridos gira em torno de 450). Apesar de a imprensa árabe ter vinculado, até agora não há sinais claros de que um cessar-fogo seja iminente. No domingo negociadores israelenses e palestinos se reuniram no Cairo mas não chegaram a um acordo.

Desde o último post, a situação segue a mesma: Israel ataca pontos estratégicos do Hamas e a organização terrorista responde com foguetes de curto (Qassam) e longo (Farj5) alcance. O IDF informou que mais de 1.500 alvos foram atingidos. Nesta segunda (19) o grupo Jihad Islâmica confirmou a morte do líder das brigadas Al-Quds, seu braço armado, Ramez Harb.

Segundo o próprio IDF nos últimos cinco dias um total de 877 foguetes foram lançados contra Israel, dos quais o sistema anti-mísseis Iron Dome conseguiu abater 307. A verdade que o Iron Dome está salvando Israel. Vale lembrar que o sistema é um tanto quanto moderno e começou a ser instalado efetivamente só no ano passsado.

Infelizmente o número de civis mortos -principalmente crianças- segue chamando muito a atenção de todo o mundo. Al-Jazeera informou que no domingo uma família inteira foi morta. O que mais assusta é que, ainda assim, a população de Gaza segue apoiando o Hamas. Os terroristas, como bem disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, estão usando os civis como escudo para disparar contra outros civis. Mas cada foguete lançado contra Israel é, na verdade, um motivo de comemoração.

Também neste fim de semana o correspondente da Al-Jazeera em Gaza, Nadim Baba, publicou uma foto de um local, cheio de casas, de onde um foguete acabara de ser disparado. Há relatos também de que alguns dos mísseis lançados pelo Hamas caíram em Gaza, ferindo pessoas.

Khaled Mashaal (E), líder do Hamas, e Morsi (D).
As dificuldades no cessar-fogo

Com a ascensão de regimes islâmicos na Primavera Árabe, o Hamas está aproveitando para ver até onde consegue ir sendo protegido de outras nações islâmicas (está, inclusive, testando o Egito) e financiado por mais terroristas (Irã e Hezbollah).

O cessar-fogo foi impossível até agora, apesar dos inúmeros diálogos, devido às reivindicações de ambos os lados: o Hamas quer (1) todos os postos de fonteira em Gaza abertos 24 horas por dia, (2) um fim dos ataques israelenses e (3) manter seu armamento; Israel, por outro lado, quer (1) todos os grupos terroristas desarmados, (2) parada imediata no lançamento de foguetes e (3) um cessar-fogo de longo prazo garantido.

Morsi está deixando seu amor pelo Hamas de lado para servir como mediador

Como bem disse David Kirkpatrick, no passado o presidente egípcio Mohamed Morsi, então líder da Irmandade Muçulmana, defendeu avidamente a causa palestina, condenou Israel e se mostrou um grande apoiador do Hamas. Hoje, na qualidade de chefe de Estado, ele precisa cumprir o seu papel e deixar as crenças de lado (ou o próprio país, que tem negócios com Israel, vai sofrer ainda mais os efeitos da crise econômica interna).

Ao que parece ele está fazendo isso. O simples fato de se referir a Israel pelo nome e não como "o intruso sionista" ou, como prefere Ahmadinejad, "o câncer", já é alguma coisa. Tudo indica que ele está fazendo o possível para que o cessar-fogo aconteça (ao contrário de outros chefes de Estado, como Recep Tayyp Erdogan, que chamou os israelenses de terroristas).

Em seu mais recente artigo no Foreign Affairs, Ehud Yaari sugere uma boa alternativa para o fim do conflito (ou pelo menos um cessar-fogo): a abertura do terminal de Rafah, que fica na fronteira do Egito com Gaza. Reparem que uma das reivindicações do Hamas é a total abertura da fronteira, para facilitar não só o trânsito de pessoas, mas também de mercadorias.

Para Yaari, "isto poderia significar que Gaza iria receber seu combustível e outros produtos do Egito, enquanto Israel continuaria fornecendo eletricidade. Portos egípcios poderiam começar a lidar com o fluxo de mercadorias dentro e fora de Gaza, e Israel seria eliminado gradualmente das atividades comerciais que passam pelos seis terminais operantes em Gaza".

Veem? Esta, sem dúvida, é a melhor alternativa para pôr fim a este combate antes que ele se intensifique ainda mais. Tal medida seria boa para ambos, haja vista que o Egito posaria de herói para os palestinos e Israel poderia transferir um "problema" para Morsi (cá entre nós, o Hamas não é um problema para o Egito).


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Antes das eleições, hostilidades na Faixa de Gaza recomeçam

Funeral de Ahmed Jabari. AL-JAZEERA.

Nesta quarta-feira (14) a força aérea israelense empreendeu diversos ataques à Faixa de Gaza. Os alvos eram misseis de longo alcance do Hamas e o braço militar da organização, Ahmed Jabari. Em termos militares a operação foi bem-sucedida, haja vista que Jabari e os misseis foram abatidos, mas infelizmente vidas civis palestinas também foram ceifadas.

A nova missão do IDF prosseguiu na quinta-feira (15) e deixou um saldo de 22 mortos (sendo 19 palestinos). O próprio exército israelense confirmou que realizou 340 ataques contra alvos na Faixa de Gaza desde o início da operação Pilar de Defesa. Também nesta quinta veio a primeira resposta do Hamas: dois mísseis foram lançados em Tel-Aviv por volta das 7 horas, menos de uma hora depois de alguns terem atingido a cidade de Rishon Letzion.

No total 305 foguetes atingiram Israel e 130 foram interceptados pelo sistema de defesa. As três mortes do lado israelense aconteceram quando um foguete chegou à localidade de Kiryat Malachi. Relata-se que um bebê de 8 meses também ficou ferido. No lado palestino pelo menos duas crianças morreram só nesta quinta.

A operação Pilar de Defesa começou depois que mísseis palestinos foram disparados em direção ao sul de Israel. As hostilidades em si tiveram início quando um jipe com militares do IDF foi atacado no fim da passada semana. Aí é que as informações se desencontram porque o Times of Israel diz que o veículo estava no seu lado da fronteira, enquanto um colunista do YNet News relata o contrário. Ambos são jornais conservadores.

De qualquer forma, em resposta Israel disparou tiros de aviso (como fez com a Síria nas Colinas de Golã há poucos dias) e foi aí que o Hamas atacou de novo. Se a pressão sobre Netanyahu já era grande, ficou ainda maior.

Pronunciamento de Benjamin Netanyahu.
Perguntado sobre qual a diferença entre os mísseis que o Hamas tem hoje na Faixa de Gaza e os de meses atrás, o analista Thrall Nathan respondeu: "Desta vez não há centenas de milhares de israelenses em abrigos e seus filhos estão indo para a escola. Basicamente, todo o espectro político de Israel estava dizendo que isso era inaceitável e que algo precisava ser feito".

Faz todo o sentido. O país não poderia ficar acuado e sofrendo ataques terroristas. Ademais, é muito provável que o ministro da defesa, Ehud Barak, seja um dos grandes mentores da operação. Ele é conhecido por não ser muito favorável a um acordo de paz "qualquer" com os palestinos e não parece de seu feitio deixar barato este tipo de afronta.

Pelo menos por enquanto Benjamin Netanyahu e seu partido, o Likud, saíram fortalecidos para as eleições parlamentares de janeiro. Como já foi mencionado, a população pedia uma dura resposta e os setores políticos também, tanto que até mesmo membros da (cada vez mais enfraquecida) oposição se mostraram de acordo com a atitude do primeiro-ministro. Para ele isso é bom. Ainda mais agora que Ehud Olmert pode voltar ao cenário político do país.

O ex-premiê Olmert foi absolvido de acusações de corrupção recentemente e é a principal aposta centrista da oposição, capitaneada pelo Kadima de Shaul Mofaz, para vencer Netanyahu. Vale lembrar que, em 2008-2009, Olmert comandou a missão Lead Cost (que foi um pouco mais agressiva).

Em declaração oficial na quarta-feira, Benjamin Netanyahu disse o seguinte: "o Hamas escolheu aumentar seus ataques nos últimos dias. Nós não vamos aceitar ameaças de foguetes contra nossos cidadãos.

"Danificamos seriamente a capacidade do Hamas de lançar mísseis de longo alcance para o centro de Israel. Eles atacam nossos cidadãos de propósito, enquanto se escondem atrás de civis. Nós fazemos de tudo para não prejudicar estes civis".

Segundo Al-Jazeera, uma criança palestina de 2 anos morreu.
No entanto, Netanyahu também está ciente dos riscos que corre com esta operação. Analisando friamente, hoje a eleição está ganha, mas se a resposta do Hamas for mais dura do que o esperado, fatalmente obrigará o IDF  a fazer uma incursão terrestre mais prolongada, o que poderia provocar um maior número de baixas. 

Outro que tem papel-chave no conflito é o Egito. Segundo Caio Blinder, "uma opção para Mohamed Morsi é fazer vista grossa se militantes do Hamas lançarem ataques contra Israel a partir da península do Sinai. Mas se as coisas degringolarem, numa opção extrema, Morsi poderá até questionar o tratado de paz do Egito com Israel (aqui os militares terão voz). E este tratado é essencial para Israel".

Em suma, Israel precisava mesmo se defender e o fez. Atacou cirurgicamente as opções que o Hamas tinha de ameaçar o país e o deixou sem um de seus cérebros militares. De momento, é difícil acreditar que a organização terrorista tenha capacidade para, militarmente, responder a altura. Mas ainda é muito cedo para prever o desenrolar do conflito.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

GOP já fala em reforma

The Elephant.

Há três dias Barack Obama foi reeleito presidente dos Estados Unidos e, por incrível que pareça, o assunto que está em voga é o Partido Republicano. A derrota de Romney foi um verdadeiro balde de águia fria nos planos do GOP, servindo para que muitos dirigentes acordassem e finalmente começassem a exigir reformas.

Apesar da pequena diferença (pouco mais de 2,5 milhões), ficou claro que Obama teve o voto popular e Romney não fugiu de sua tradicional base de apoio. Aliás, até perdeu parte dela em virtude de suas mudanças de postura e do próprio Partido Republicano. A perda mais sentida foi a do eleitorado latino, que apoiou em peso o candidato Democrata.

A rigor, Romney conquistou apenas 29% dos votos latinos. E para isso há inúmeras explicações. Uma delas é sobre a rigorosa opinião a respeito da deportação imediata de imigrantes ilegais que ele mencionou nas primárias. Estes eleitores podiam até estar irritados com as deportações de Obama (lembrando a lei do Arizona), mas neste caso acharam "menos pior" apoiarem o Democrata outra vez.

Para muitos especialistas conservadores a escolha de Paul Ryan não foi um total equívoco, mas havia nomes melhores. Dentre estes "nomes melhores" os mais fortes era Susana Martínez, governadora do New Mexico; e Marco Rubio, senador da Florida. Dizem por lá que a imprensa -principalmente William Kristol- influenciou na escolha de Ryan.

Mas não foram apenas os latinos que não se empolgaram com Romney. As mulheres, os asiáticos, os afro-americanos e os jovens também estiveram do lado de Obama. Seguramente muitos estarão pensando que isso é algo obvio. E realmente é. Os Democratas sempre contaram com os votos das minoras. O anormal é que, nas duas últimas eleições, o apoio republicano entre eles tem sido muito menor. Nas palavras de Caio Blinder, "numa aritmética grosseira, para vencer, os Democratas precisam de 80% do voto das minorias e 40% dos brancos". Um número assustador.

E isso nos leva a questão de por que o GOP tem perdido tantos eleitores nos últimos anos, inclusive em bastiões fieis, como o Colorado onde Obama já ganhou duas vezes. O que vejo com bastante clareza a este respeito é a forte influência do Tea Party, movimento radical que ganhou força logo após a vitória de Obama sobre John McCain.

Os ultraconservadores, basicamente, tentaram resgatar alguns valores, criticar os excessivos gastos do governo e até mesmo apelar para um certo populismo. Mas o grande problema é o radicalismo de sua metodologia. Como mencionado no artigo anterior, a pressão exercida pelo Tea Party foi fundamental para que Romney pendesse para a direita e até mesmo pela força de Ricky Santorum.

Em um impactante artigo na FOX, intitulado "O que Reagan faria após a vitória de Obama?", o colunista Martin Sieff criticou com extremo rigor a campanha eleitoral republicana e até mesmo o Tea Party, chamando de hipócritas aqueles que com as palavras idolatraram Ronald Reagan mas com as ações fizeram o oposto.

Para Sieff, "Ronald Reagan era um conservador social e um dos maiores porta-vozes dos autênticos valores morais da história da política americana. Mas ele nunca foi fanático ou tolo. Ele nunca se indignou com mulheres ou qualquer outro grupo, expressando ridículos, ofensivos ou simples sentimentos absurdos. Uma tolerância má julgada por estes palhaços custaram nada menos do que as eleições para o Partido Republicano".

O consolo é que este insucesso está fazendo o movimento conservador pensar um pouco mais e a tendência é que o Tea Party por fim perca força. Ainda neste artigo Sieff mencionou que Reagan sempre se mostrou próximo dos jovens concedendo, inclusive, oportunidades a muitos deles em seu governo, estando sempre aberto a sugestões. O mesmo aconteceu com George W. Bush, mas não com McCain e Mitt Romney.

O que nos faz pensar que as coisas mudarão para as próximas eleições -não apenas presidenciais- é a quantidade de bons -e sobretudo jovens- valores no Partido Republicano. Mais até do que no Democrata. Além do já citado Marco Rubio, Jeb Bush, Ted Cruz (esse sim do Tea Party), Rand Paul e o candidato a vice Paul Ryan se mostram como nomes potentes e inovadores. No Partido Democrata, ao menos para as eleições presidenciais, o nome de Hillary Clinton é o mais cotado.


quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Quem na verdade é Mitt Romney?

Certas imagens nem precisam de legenda...

Após a derrota para o presidente Barack Obama o candidato republicano Mitt Romney se dirigiu a seus eleitores agradecendo pelo apoio e pedindo confiança no comandante-em-chefe para que ele possa fazer um bom trabalho. Mas nem sempre esta serena imagem de Romney foi transmitida aos eleitores durante a campanha.

A controvérsia do ex-governador de Massachusetts começou nas primárias quando, ao contrário do esperado, ele se mostrou um tanto radical em seus pontos de vista. As principais colocações um tanto quanto estranhas dele se concentraram na política externa (principalmente com as gafes) e na imigração. Quanto ao aborto e o casamento homossexual houve realmente uma mudança de opinião. Mas isso aconteceu há muito tempo e não deve ser levado em consideração no que diz respeito à atual campanha.

Mesmo se aproximando da ala mais conservadora do Partido Republicano - Tea Party- Romney não agradou muito e sofreu demais nas primárias. Por vezes esteve atrás do católico ultraconservador Ricky Santorum (que prometia declarar guerra ao Irã assim que eleito). Por sorte, ao menos a frieza do empresário  permaneceu e, aos poucos, ele foi conseguindo contornar a situação.

No entanto, as primárias lhe deram dois maus resultados: grandes gastos (muito além do esperado) e uma imagem distorcida que foi construída (deturpada?) por ele mesmo. Para muitas pessoas é difícil de entender por que ele fez isso. Realmente não foi a melhor atitude a ser tomada mas, naquele momento, se converteu na salvação de Romney. Todos devem ter em mente que, caso ele se mostrasse o moderado que é (e sempre foi, até as primárias), a vitória de Santorum seria evidente e nem mesmo uma parcela do eleitorado americano votaria nele. Resultado: Obama ganharia de lavada. Aliás, o presidente concorreria sozinho à reeleição.

Notem que até o momento o movimento Tea Party foi mencionado apenas uma vez. Não é mero acaso. Foi de propósito mesmo. O que acontece é que não quero entrar em detalhes sobre esta ala ultraconservadora do Partido Republicano porque pretendo falar dela em outro post, onde o foco será o partido. Por enquanto saibam de uma coisa: o Tea Party foi decisivo para esta guinada para a direita de Mitt Romney.

O empresário estava entre a cruz e a espada. Se ele mantivesse sua postura moderada ia lutar contra a ira do Tea Party. Graças a esta ameaça, preferiu encarnar um político que não é e perdeu a confiança de muitos republicanos, mas principalmente de indecisos que não estavam tão contentes assim com Obama e que seguramente votariam em Romney caso ele se mostrasse uma boa alternativa.

A escolha do vice foi mais uma forma de se aproximar dos mais conservadores e oferecer uma verdadeira reforma econômica aos EUA. O jovem congressista Paul Ryan, de Wisconsin, é conhecido por ousar em suas ideias econômicas e ficou à frente do senador hispano Marco Rubio (ainda que a primeira opção de Romney para vice seria o governador de New Jersey, Chris Christie).

Após passar pelo primeiro obstáculo, o das primárias, Romney logo teve a árdua tarefa de deixar para trás o segundo: a imagem de empresário antipático que não tem a mínima noção das necessidades do povo. Tudo seria mais fácil (menos difícil?) se ele tivesse uma vida privada mais exposta como a de tantos outros candidatos. O problema é que todos -inclusive a imprensa- só conheciam o Romney profissional ou, quando muito, o Romney mórmon. Pouco sabiam do avô, do pai ou do marido. Ademais, carisma como o de Obama é algo que ele não tem.

O cenário só piorou quando um modesto jornal de esquerda divulgou um vídeo onde o ex-governador falava com benfeitores de sua campanha em Boca Ratón, na Florida. Neste fatídico vídeo Romney fez a famosa declaração dos 47% e deixou os democratas nas nuvens. Para muitos as eleições acabaram no dia em que este vídeo foi ao ar. Mas, para surpresa geral, vieram os debates e Romney mostrou aquela que é a sua verdadeira face.

No primeiro dos três ele ganhou "de lavada" de um apático e estranho presidente Obama (que deve ter sido afetado pela "síndrome do primeiro debate) e subiu rapidamente nas pesquisas. A força em suas palavras, a vontade, as alternativas econômicas e as críticas ao governo o fizeram, pela primeira vez, passar confiança ao povo americano.

No segundo debate a política interna ainda foi o foco principal e Romney também foi bem. Ele enfrentou um Obama já "acordado" e disposto a mostrar que estava no páreo para vencer, mas nem por isso se intimidou. Aliás, o que aconteceu foi que os dois intimidaram os pobres eleitores indecisos. Em dado momento parecia que iam perder o controle. De uma forma ou de outra, deu empate.

A terceira e última altercação (que por sinal foi muito chata) teve como tema política externa. Na ocasião notamos maior cautela de Romney, que se limitou a concordar com Obama em muitas questões e, sempre que pôde, deu um jeito de trazer o diálogo para a sua área, a economia. Mais um empate (este, por sinal, um 0x0 bem monótono).

No final das contas Obama voltou a subir nas pesquisas e os dois candidatos ficaram oscilando entre empates e pequenas vantagens para um e para outro. As campanhas nos estados indecisos se intensificaram. Mas aí veio Sandy. A tragédia que vitimou 87 pessoas serviu para dar uma pausa na corrida eleitoral. Seria desumano continuar e Obama precisava tomar à frente da situação.

Querendo ou não, a imagem humanitária do comandante-em-chefe o ajudou demais na campanha. Ele arregaçou as mangas e foi trabalhar como realmente deveria, mas o que tocou o coração dos americanos foi ver suas expressões de choque e visível abalo com a tragédia. Talvez Romney jamais conseguiria se mostrar assim. Não por insensibilidade, mas por personalidade. Outro ponto para o carisma de Obama.

Quando o grande dia chegou ainda havia esperanças entre os republicanos, mas elas foram extirpadas quando Obama venceu na Florida. Principalmente porque, segundo as pesquisas, o estado estava mais para Romney e ainda assim o caminho até a Casa Branca seria um tanto complicado. Dignamente Mitt Romney aceitou a derrota e cumprimentou o adversário.

Mas o mais revoltante foi ver a reação de parte da imprensa conservadora e de gente do Partido Republicano. O Tea Party criticou-o por ser muito moderado (!) e a ala mais liberal republicana o taxou de incompetente. E pensar que ao menos parte desta situação seria diferente se ele, como outros Republicanos, tivesse bajulado Rupert Murdoch. Não o fez e precisou caminhar com as próprias pernas até o fim para ser considerado o grande culpado pela derrota.




quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Four more years

Obama ligou pessoalmente para eleitores.

Nesta terça-feira (6) aconteceram as eleições presidenciais nos Estados Unidos e, por uma vantagem de 97 delegados, o presidente democrata Barack Obama foi reeleito para mais quatro anos de mandato. Nos estados indecisos, apesar da massiva campanha de Romney, o comandante-em-chefe levou a melhor.

Como esperado, a diferença entre Obama e Mitt Romney foi muito menor do que a do democrata sobre John McCain em 2008 (10 milhões na ocasião e pouco mais de 2,5 agora), mas ainda assim foi uma vitória contundente. O estado da Florida foi o primeiro termômetro para os resultados, haja vista que a apuração lá começou primeiro. Houve inúmeras reviravoltas mas, por uma diferença de 1 pp, deu Obama. A partir daí a coisa já ficou complicada para Romney. A maioria das pesquisas colocaram-no como favorito no estado e esta poderia ser sua grande arrancada. Em resumo, se ele vencesse na Florida nada o impediria de conquistar outros estados indecisos.

Mas aí vieram Virginia e Colorado. Outra vez o presidente levou vantagem. No primeiro Romney até começou bem, mas logo que aconteceu a apuração na região metropolitana de Washington DC, bastião democrata, a cor azul predominou. Obama bateu McCain no Colorado em 2008 e fez o mesmo com Romney em 2012. A diferença foi de 4% (51 a 47) em um estado que já foi "território" dos republicanos por muito tempo.

Em Ohio Romney apelou para seu eleitorado: homens brancos mais velhos, evangélicos e muitos jovens. Os primeiros e os últimos até acudiram às urnas, mas o número de evangélicos não foi dos melhores. O candidato republicano queria ao menos "resgatar" aqueles que votaram em Bush. Não deu certo e Obama venceu por 50% a 48%.

Não restam dúvidas de que a economia foi o "carro chefe" da corrida presidencial americana (como diziam os republicanos, "economia, estúpido!") e justamente ela culminou na reeleição de Obama. Inicialmente parece contraditório, não? Mas acalmem-se. A verdade é que 60% do eleitorado colocou a economia como "motivo número 1" nestas eleições e grande parcela deles culpou George W. Bush pelas dificuldades que Obama encontrou em 2008. Resumindo, o democrata trabalhou como pôde quando pegou a "batata-quente" nas mãos. Ademais, o eleitorado não considera o déficit como principal problema do governo Obama, portanto, ele se deu bem (a responsabilidade pelo déficit americano deve-se em grande parte às políticas do comandante-em-chefe).

Ainda dentro do fator economia, um dos grandes contribuintes para a reeleição de Obama foi Romney. Seu histórico como grande empresário o deixou com uma imagem ruim frente à população ao invés de revelá-lo um administrador capacitado para liderar o país. A imagem de milionário alheio aos verdadeiros problemas do país afastaram-no até mesmo da classe média, sobretudo nas primárias republicanas. Ele conseguiu se recuperar ao longo da campanha, mas não o suficiente para mostrar que poderia equilibrar o orçamento dos EUA melhor do que Obama. Aliás, os cortes de gastos prometidos para o Medicare e o Obamacare só afugentaram eleitores.

No quesito demografia nem Obama esperava tamanho apoio. Tudo indicava, em 2012, uma participação maior do eleitorado republicano. Inclusivea cúpula do partido estava contando com isso. Porém, o contrário aconteceu. Além de perder o eleitorado feminino que em determinada ocasião esteve a seu favor, os jovens, negros, latinos e asiáticos tiveram participação recorde e votaram em favor de Obama. 

Em números, as mulheres compõem 54% do eleitorado americano e deram a vitória ao presidente por uma diferença de 12 pontos (entre os homens Romney ganhou por 7). Se em 2008 os negros, latinos e asiáticos representaram 24% dos eleitores, em 2012 esse número cresceu para 26%, índice que claramente favoreceu Barack Obama.

Resumindo esta primeira reflexão sobre as eleições nos Estados Unidos, a população claramente percebeu que o país não anda bem das pernas, mas faltou carisma e firmeza a Mitt Romney para convencer a todos de que a culpa maior era de Obama e que ele (Romney) poderia resolver o problema.

domingo, 21 de outubro de 2012

Atentado terrorista acaba com a paz que reinava em Beirute


Últimas homenagens a Hassan.
Na última sexa-feira (19) a cosmopolita Beirute, capital do Líbano, foi palco de algo que não se via desde 2008: um ataque terrorista. No distrito de Ashrafiyeh (bairro cristão) um carro-bomba explodiu, matou oito pessoas e deixou mais de 100 feridas. Dentre os mortos estava o chefe da inteligência libanesa, Wissam Al-Hassan, homem que tinha muitos inimigos poderosos.

Hassan era um sunita influente dentro do cenário libanês. Muito conhecido por investigar casos um tanto polêmicos. O primeiro deles talvez tenha sido um dos mais emblemáticos da história libanesa, o assassinato do premiê Rafik Hariri no ano de 2005. Há poucos anos o senhor Hassan, que investigou o caso desde o início, descobriu que agentes sírios e membros do grupo terrorista Hezbollah estavam envolvidos. Mas, misteriosamente, os indícios perderam força.

Ele também foi responsável por descobrir espiões israelenses em solo libanês juntamente com o ministro pró-sírio Michel Samaha. O curioso é que este mesmo Samaha também foi alvo de investigações de Hassan. O chefe da inteligência descobriu que o senhor Samaha planejou junto a Bashar Al-Assad, ditador sírio, uma série de atentados no Líbano. Um motivo para assassiná-lo, não acham?

Os suspeitos: Hezbollah e Síria

Ainda que sejam citados separadamente como suspeitos, o grupo terrorista caminha junto com o regime sírio*. Ambos, após o incidente, declararam que não tinham qualquer relação com ele e que repudiaram o andamento dos fatos apesar das evidentes rixas com Hassan.

A Síria teria todos os motivos para perpetrar tal ataque. Alguns analistas, inclusive, o compararam em magnitude ao que vitimou a cúpula do presidente sírio há poucos meses atrás. Além disso, seria mais uma estratégia de Assad para desviar o foco da matança que acontece em seu país (a oposição já contabiliza cerca de 35 mil mortos), como fez -e está fazendo- na vizinha Jordânia.

Para o jornalista Rami Khouri, "quem fez este ataque queria entregar uma mensagem de que eles podem alcançar qualquer pessoa, que podem atingir o mais alto nível da inteligência".

Ele concluiu dizendo que o atentado em Beirute é uma consequência lógica do que vem acontecendo na Síria nos últimos 19 meses: "tem havido um aumento constante da violência e agora vamos para a próxima etapa de atentados, assassinatos e talvez até confrontos".

As disputas pelo poder no Líbano

Logo após o atentado parte da população foi às ruas protestar contra o Hezbollah (que já mandou militantes defenderem os bairros xiitas) e pedir a saída do primeiro-ministro sunita Najib Mikati -muitos acreditam que ele está disposto a enfrentar o grupo terrorista xiita- que chegou a pedir demissão, mas foi impedido pelo presidente Michel Suleiman.

Ele também atendeu a um apelo externo, visto que muitos chefes de estado -inclusive o presidente francês François Hollande- pediram que ficasse para manter a estabilidade no governo libanês. Para se ter uma ideia, a situação do governo no país é a seguinte: o presidente Suleiman é cristão (maronita), o premiê é sunita e a maioria no Parlamento é xiita -representada pelo Hezbollah, que para quem não sabe é um partido político.

*em setembro o portal Al-Arabiya teve acesso a documentos secretos do governo sírio nos quais constavam provas de que militantes do Hezbollah foram enviados para a Síria logo no início do levante popular.