sábado, 30 de junho de 2012

Nada de segunda-feira negra

O vitorioso da noite (?)

Esta foi a frase do aliviado tecnocrata italiano Mario Monti após a reunião de quinta-feira em Bruxelas. Tal reunião marcou mudanças significativas e concessões por parte da Alemanha, sendo a principal delas a permissão para a recapitalização dos bancos. Isto é, o dinheiro de eventuais empréstimos poderá ser passado diretamente aos bancos.

Seguramente o encontro em Bruxelas foi o primeiro de muitos passos que ainda precisam ser dados para que o quadro crítico econômico seja revertido. Mas se as mudanças aconteceram, já é alguma coisa. Como disse Gavin Hewitt, a reunião marcou a divisão entre os europeus do norte (capitaneados pela Alemanha) vs os do Sul (capitaneados por Itália e Espanha). Enquanto os primeiros queriam manter a austeridade, os outros tentaram forçar um abrandamento nas condições para os empréstimos e reiteraram a proposta de François Hollande, que visa a instituição de uma cláusula de crescimento.

Mas tudo não foi tão fácil como parece. As discussões se estenderam por horas, até o momento em que Mario Monti ameaçou abandonar o cargo caso suas exigências não fossem atendidas. Vendo que a situação não lhe era nada favorável (3 contra 1), frau Merkel decidiu aceitar as condições impostas não deixando de lado seu perfil conservador.

A mais significativa mudança foi a já mencionada recapitalização dos bancos, que não permitirá um aumento das despesas dos bancos privados e, sobretudo, contribuirá para que os pequenos bancos regionais não sejam -como estão sendo atualmente- grandes responsáveis por parte do déficit. No entanto, como foi bem colocado no Charlemagne's notebook, nada poderá acontecer de uma hora para outra. A primeira tarefa da UE será criar um "supervisor-mor forte centrado no BCE", para que os eventuais resgates dados não sejam perdidos.

Outro que lutou veementemente por esta recapitalização foi o premiê espanhol Mariano Rajoy. Isso logicamente o fez afrouxar a gravata, mas nem tudo terminou por aí. Lembram-se do resgate de 100 bilhões de euros pedidos pela Espanha? Pois então, para este dinheiro não haverá recapitalização. O lado bom (?) é que esta dívida ficará momentaneamente com o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSF) e poderá futuramente ser transferida para o Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM).

Ademais, algo importante a se destacar é que a partir do momento em que houver qualquer empréstimo as medidas de austeridade serão mais brandas. Merkel bateu o pé antes de aprovar isto, mas não teve outra alternativa. Atenção: não é que a austeridade vai deixar de existir ou a troika não ficará de olho na economia dos países beneficiados, ela só será mais "leve".

Por fim, o tão almejado Pacto para o Crescimento e Emprego foi assinado. Os países concordaram em direcionar 120 bilhões de euros (1% do PIB da UE) para "injeções" no mercado. Parece que o piti de Mario Monti deu muito certo.

A reunião foi bastante frutuosa tanto a curto como a longo prazo. Hollande, Rajoy e Monti podem não ter saído com um sorriso no rosto, mas as expressões de alívio saltaram à vista. Estas medidas mostraram que que a UE está tomando um caminho sem volta, um caminho de unidade quase que absoluta econômica e até mesmo política.

domingo, 17 de junho de 2012

Pelo menos por enquanto, alívio...

Antonis Samaras. EKATHIMERINI.

Neste domingo (17) foram realizadas novas eleições legislativas na Grécia. O conservador Nova Democracia venceu com 29,68% dos votos, enquanto o esquerdista Syriza ficou com 26,89%. Mais do mesmo. Assim como nas eleições passadas, o partido que venceu irá sofrer muito para formar uma coalizão.

O resultado em si não foi surpreendente. Houve um grande apoio para o Syriza, mas boa parte da população se manteve fiel à UE. Durante a semana muito se especulou sobre como seria este Grexit (saída da Grécia) e seus possíveis reflexos na zona do Euro. Todos os analistas concordaram que serviria de exemplo para Alemanha mudar sua atitude quase que exclusivamente baseada na austeridade. Mas ainda não será dessa vez que a senhora Merkel vai aceitar de bom grado as cláusulas de crescimento.

Por incrível que pareça, Antonis Samaras e o Nova Democracia passaram pela etapa "menos complicada" do processo de permanência ou não da Grécia na UE. As eleições foram apenas o primeiro obstáculo. Agora vem a luta visando uma coalização com, no mínimo, 151 deputados. Vamos analisar os números: o partido vencedor terá 129 deputados, o Syriza 71, o decepcionante PASOK 33, 20 para os Gregos Independentes, Aurora Dourada terá 18, Esquerda Democrática 18 e KKE 12.

Composição do Parlamento.EL PAÍS.

A primeira possibilidade seria uma aliança com o Partido Socialista Pan-Helênico, como ocorreu nos governos anteriores (na ocasião, o Nova Democracia era a oposição mas acabou se associando ao PASOK), mas Evangelos Venizelos afirmou que só aceitaria participar de um governo onde o Syriza pudesse ser incluído. Isso diz tudo.

O líder populista do Syriza, Alexis Tsipras, parabenizou pessoalmente Samaras pela vitória, mas em seu discurso disse que seu partido não iria fazer parte de qualquer governo que compactuasse deliberadamente com o Memorando. Fez questão de frisar que exige uma renegociação. A verdade é que o próprio Samaras quer que a troika tente apertar menos o cinto para a Grécia, mas não tanto quanto Tsipras.

Assim que as eleições terminaram o ministro das relações exteriores alemão, Guido Westerwelle, comentou que a escolha pelo Nova Democracia foi "o apoio demonstrado pelo povo grego à UE", mas fez questão de ressaltar que as condições para que o resgate aconteça permanecem as mesmas. Ademais, pediu para que um novo governo seja formado o mais rápido possível.

A verdade é que Antonis Samaras, apelidado pelos partidários do PASOK há alguns anos como "senhor não" por sempre discordar das ideias propostas por eles, agora está sentindo na pele o que é fazer parte da situação e ter uma oposição chata no seu caminho. Seguramente ele não irá dormir pelos próximos dias e não é sempre que terá a titia Merkel à sua disposição.

Alguns meios de comunicação da Grécia estão dizendo, inclusive, que foi até melhor para Tsipras a derrota de seu partido. Assim quem sofre o desgaste todo é Samaras enquanto ele adota a política do não e se fortalece cada vez mais no cenário nacional. Vamos aguardar os próximos capítulos desta agonizante história que, ao parece, ainda está muito longe de acabar.

sábado, 9 de junho de 2012

O começo do fim ou só mais um período turbulento?

Banco Central Europeu.

Com tamanha crise econômica ainda no seu auge, é inevitável que inúmeras teorias sejam criadas e defendidas sobre um possível desfecho. Os mais otimistas acreditam em uma recuperação, os pessimistas no fim, e os mais assustados no caos total. O mais curioso é que todos podem ter razão.

No último Manhattan Connection o economista Ricardo Amorim referiu-se ao Brasil como o "país do plano B", que procurava agir em cima da hora. Com a crise econômica foi a mesma coisa. A velha história de que o mercado entra nos eixos por si próprio não funcionou. Só quando o cinto precisou ser apertado é que os governos começaram a reagir e puderam ver a dimensão dos estragos que refletiu da pior forma possível na qualidade de vida da população.

Angela Merkel, como chanceler alemã (a Alemanha é o país que mais se beneficia com a União Europeia), tomou a frente da situação, "invocou" Otto von Bismark e pediu austeridade. Aí entra toda aquela discussão de austeridade x crescimento, mesmo com todo mundo sabendo que ambos são necessários. Com a eleição de François Hollande a coisa ficou um pouco mais dividida. Enquanto isso a Grécia estava "no olho do furacão". Vejam bem, eu disse estava e não está. Isso porque muitos consideram que o país helênico não irá permanecer na zona do Euro (as pesquisas indicam Syriza e Nova Democracia praticamente empatados na liderança para as novas eleições legislativas). 

Acreditem, uma possível saída da Grécia seria mais um alívio para a União Europeia, apesar de que os principais líderes fazem questão de dizer o contrário. A verdade é que poucos sabem como o país entrou no seleto grupo, mas sabem como poderá (deverá?) sair: excessivos gastos. A Grécia sempre gastou quantias exorbitantes e nunca parou para pensar em possíveis reflexos. Agora é a vez da Espanha, que está prestes a receber um pacote de ajuda de até 100 bilhões de euros, para tentar amenizar as gravíssimas dificuldades bancárias que o país enfrenta.

Mas se preparem, este é só o começo. A partir daqui existem duas correntes de pensamento: uma acredita que a UE seguramente terá condições de bancar resgastes financeiros a nações necessitadas, como acabou de fazer com a Espanha; e outra prega que este fato não poderá se repetir caso Portugal, Irlanda e Itália precisem. E o pior (!) é que tal crise não tem prazo de validade, mas os mandatos governamentais sim. Políticos pró-UE não irão ficar no poder para sempre (situação de Merkel ficou mais complicada com a derrota de seu partido na Renânia do Norte-Westfália) e aí é que entre aquela já mencionada aqui "ascensão dos extremos".

A tendência é que o domínio da política de centro-direita desapareça. Em momentos difíceis, o mais provável que se mude a forma de administração. Assim pensa o povo. O problema é que nem sempre social-democratas como François Hollande serão eleitos. Ele não é um defensor de Merkel, mas também não prega o fim da União Europeia. Ademais, seja centro-direita ou centro-esquerda, o pragmatismo do "centro" é que não agrada a gregos e troianos (em alguns casos, desagrada ambos).

Sem mais delongas, vamos ao ponto fundamental: a Europa vive o pior período de recessão desde a Segunda Guerra Mundial e, na época, a solução encontrada (em alguns países) foi a adoção de regimes exageradamente nacionalistas que mais tarde se mostraram xenófobos, agressivos e, com isso, deram um novo curso à história. A tendência é que a humanidade aprenda com seus erros, mas a "geração WW2" (que hoje está entre 80 e 90) deu lugar a jovens que não têm emprego e mal podem imaginar a consequência de seus atos.

Já pensaram em uma França com Marine Le Pen e Jean-Luc Mélenchon no poder? Holanda com Geert Wilders? A bela colocação do Syriza nas últimas eleições legislativas gregas já nos mostrou o quão perigoso isso pode ser. Querem outro exemplo histórico? A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Mais um regime extremista, que tentou pregar mais que uma unidade econômica e entrou em colapso.

Mesmo com uma integração cada vez maior entre as nações, a União Europeia prega apenas uma unificação monetária. Isso, segundo o especialista Max Keiser, também é um problema: "não há como ter moeda única sem um estado unificado, porque a soberania de muitos países está em jogo".

Tudo isso parece trágico não? E realmente é. Portanto, precisamos acreditar nas "leis do mercado" e na capacidade administrativa da UE para combater tamanha crise. Se não conseguirem a médio (curto seria impossível) prazo, só nos restará rezar para que o povo tenha aprendido com os erros do passado.

domingo, 3 de junho de 2012

O inferno se chama Síria!

Assad se pronunciando no Parlamento. 

Há pouco mais de um ano, dentro da denominada Primavera Árabe, o povo sírio se revoltou contra o autoritarismo do clã Assad -que está no poder há 40 anos- e passou a protestar. Mas o presidente Bashar Al-Assad, como seu pai, não estava disposto a aceitar revoltosos e coibiu, com violência, os protestos. O problema é que não parou por aí, e a crise ainda se arrasta sem previsão de um final feliz. 

Inicialmente os protestos não surtiram efeito como em outros países porque a maioria da população estava com Assad, e a oposição se mostrou muito desorganizada. Com o tempo, mais pessoas foram aderindo às revoltas e a coisa foi tomando forma cada vez mais violenta. Estima-se que mais de 10 mil pessoas morreram nos confrontos, sendo 2600 delas ligadas às autoridades.

Desde que a violência aumentou no país o Conselho de Segurança da ONU alertou Assad das consequências mas, respaldado por seus grandes aliados China e Rússia, ele seguiu massacrando a sangue frio seus opositores. Tudo parecia acabado quando a cidade de Homs, conhecida internacionalmente como bastião rebelde, foi tomada pelo exército. Mas não foi o que aconteceu. O Exército Sírio Livre na verdade fez apenas uma retirada estratégica para voltar ao combate.

O massacre de Houla

No começo da semana passada surgiu a notícia de mais um massacre. Desta vez na cidade de Houla, onde 108 pessoas morreram (dentre elas 49 crianças com menos de 10 anos). Me arrepio todas as vezes que leio ou escrevo isso. Em resposta, muitos países expulsaram embaixadores sírios e chefes de Estado condenaram veementemente tal atitude de repressão por parte do governo. Até o Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, se pronunciou em tom de desaprovação.

Mas há provas de que foram partidários de Assad? Sim! Além dos depoimentos das pessoas que sobreviveram, os próprios observadores da inútil Liga Árabe viram os estragos e, em seu relatório, afirmaram que tamanho estrago só poderia ter sido feito pelo exército sírio. Mas logicamente quem fez as cruéis execuções não foi exatamente o exército, e sim a milícia Shabiha, formada por muçulmanos alauitas (assim como Assad).

Sabem o que é pior? Neste domingo o senhor Assad se pronunciou e, em um discurso inflamado no Parlamento da capital Damasco, disse que o governo não foi responsável pelo massacre e culpou aqueles a quem chama de "terroristas".

O perigo da oposição

Boa parte da oposição síria é formada por pessoas simples que querem ter seus direitos garantidos e também por militares desertores que se recusaram a acatar as terríveis ordens de Assad e foram até torturados. Mas não se enganem, existem vários oportunistas aproveitando-se de tais circunstâncias. Dentre eles destacam-se muitíssimos terroristas que estão oferecendo apoio e só esperando a hora de cobrar este favor.

Estes são os mais perigosos de todos. Aí vem o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Mitt Romney (o qual admiro apesar da declaração), dizer que Obama não está fazendo nada e que uma boa alternativa seria armar a oposição. Primeiro, Obama realmente não está fazendo muita coisa porque sua maior preocupação -com razão- é o Irã. Segundo, será que ele não viu o que aconteceu no Afeganistão e no Iraque? Ele quer que a Síria tenha o mesmo fim? Lamentável.

Existe alguma possível solução?

Como disse o respeitabilíssimo professor Richard Falk, querendo ou não a diplomacia é o melhor resultado: "o que resta para preencher a lacuna entre o inaceitável e o impossível é a diplomacia, que até agora foi inútil, mas dadas as outras possibilidades é a única maneira de se reverter este caótico quadro na Síria".

Inúmeras pessoas estão criticando Kofi Annan e seu "plano de seis pontos", inicialmente aceito por Assad mas que acabou sendo esquecido. O armistício entre o governo e os rebeldes durou poucos dias. A rigor acabou com o massacre de Houla. O problema é que, com o apoio passional de Vladimir Putin, a ONU não pode passar por cima de seu poder de veto e mandar militares atacarem a Síria. Portanto, o que resta a fazer é esperar e torcer para que o inferno não fique ainda maior.

Agora a situação crítica também passou a se espalhar para zonas próximas do país. O Líbano, que ainda se recupera de uma violenta guerra civil, se tornou o principal receptor de refugiados sírios e neste fim de semana foi palco de um confronto entre sunitas e alauitas, dentro da cidade de Trípoli, que resultou em 8 mortos. Ademais, o líder do grupo terrorista Hamas (que é patrocinado por Assad), Hasan Nasrallah, exigiu a libertação de um xiita que foi sequestrado pelos rebeldes sírios (sunitas na sua maioria).