quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Os rumos da revolução (Parte II)

Praça Tahrir.

No post anterior, citei um trecho do livro do professor Kissinger e exemplifiquei a situação da política egípcia nos últimos anos. Política esta que derrubou o ditador Hosni Mubarak visando ao menos tentar instaurar um regime democrático no país.

Vale relembrar algumas das palavras do professor Kissinger: "quando o governo é a principal, por vezes a única, expressão de identidade nacional, a oposição passa a ser considerada como traição. O profundo abismo social ou religioso de muitas das nações novas transforma o controle da autoridade política numa questão de vida e morte. Sempre que a obrigação política acompanha as linhas tribais, raciais ou religiosas, o autodomínio entra em colapso. Os conflitos internos assumem o caráter de guerra civil. A autoridade tradicional nas condições existentes vem a ser pessoal ou feudal".

Serão demasiadamente úteis para esta postagem pois, a partir delas, reflexionarei a atual situação política dos países que passaram pela Primavera Árabe (com foco no Egito outra vez) e os grupos que tiveram significativa ascensão. Ademais, o quadro econômico também será levado em questão, devido ao fato de estas nações precisarem passar por regimes de austeridade para uma possível recuperação.

A lógica ascensão da Irmandade Muçulmana

Com a queda dos regimes anteriores já era esperado que grupos islâmicos ganhassem força e tomassem o poder. A verdade é que eles nunca perderam força efetivamente, tanto que foram "cirurgicamente" marginalizados pelos governos. No Egito, Hosni Mubarak contrariou Anwar Al-Sadat e voltou a considerar a Irmandade Muçulmana criminosa. Esta medida nos dá uma boa noção da influência que as organizações religiosas conservadores têm nestes países.

Mas por que justamente a Irmandade Muçulmana ganhou tanta força? Bom, para respondermos a esta pergunta precisamos voltar ao ano de 1928 quando, no Egito,  o professor e imã Hassan Al-Banna decidiu criar uma organização pacífica e política cujos preceitos eram baseados no Alcorão e na Sunnah. Esta organização era Al-Ikhwan Al-Muslimun, a Irmandade Muçulmana. Durante anos Ikhwan prestou assistência aos pobres, ensinou analfabetos e ajudou a população, conquistando grande simpatia.

Com o passar do tempo sua influência foi se estendendo por outros países islâmicos e a política da não-violência passou a agradar. Inclusive, quando o grupo terrorista Hamas foi fundado, em 1987, um de seus idealizadores, o Sheik Ahmed Yassin, foi expulso da Irmandade haja vista que o grupo desde o início queria pegar em armas contra o estado de Israel.

Este aparente pacifismo é ótimo, mas não tira o caráter conservador da Irmandade. Para eles, o islã e a política caminham juntos. E a sharía deve estar presente em qualquer governo. Entenderam? Desde os seus primordes Ikhwan é um movimento político, por isso ascendeu tão rapidamente logo que os governos autoritários caíram. Sua grande organização lhes permitiu que oferecessem uma alternativa à carente população. E, além disso, não havia mais partidos que pudessem concorrer de igual para igual com os islamistas. Em outras palavras, a repressão conseguiu deter os secularistas mas não os conservadores religiosos.

Voltando ao Egito, a Irmandade está no poder mas a crise continua

Logo que Hosni Mubarak caiu e eleições presidenciais puderam ser realizadas no Egito, a Irmandade Muçulmana, através do Partido da Liberdade e Justiça, chegou à presidência com Mohamed Morsi. O engenheiro de formação que estudou nos EUA queria mostrar que se distanciaria um pouco do conservadorismo de seu partido e seria mais centralizador. No entanto, essa imagem que ele estava tentando passar durou pouco. Digamos que até seu decreto faraônico (comentei sobre ele aqui e aqui).

Com medo de uma nova ditadura, desta vez islâmica, a população foi às ruas protestar novamente. O problema é que não havia uma oposição forte para defrontar o presidente. Recordem-se que no trecho acima falei a respeito da desorganização dos secularistas. Pois é, isso de certa forma facilitou as coisas para a Irmandade que não tinha um rival político a altura. Os opositores mais significativos eram considerados felool (termo pejorativo utilizado para se referir aos remanescentes da era Mubarak) e marginalizados pela Irmandade, exatamente da mesma forma que descreveu o professor Kissinger no trecho inicialmente mencionado.

Para se ter uma ideia, a oposição só conseguiu certa organização poucos dias antes  do primeiro turno do plebiscito que visaria aprovar ou não a nova Constituição. A "unificação" se deu com a criação da Frente de Salvação Nacional, que tentou englobar -sob a liderança de Ahmed Shafiq e Mohamed El-Baradei- todos aqueles que eram contra as decisões do presidente Mohamed Morsi e da Irmandade Muçulmana. Basicamente, a primeira reação da Irmandade foi classificar a todos como felool, não importando a qual vertente política pertenciam.

A tendência é que a Constituição baseada na sharia seja mesmo aprovada no Egito. Alguns veem isso como o primeiro passo para a democracia, mas é difícil acreditar que seja mesmo. Se qualquer artigo está submetido à lei islâmica, ele pode ser deturpado de forma conservadora. Quem mais sofre com isso? Principalmente os cristãos coptas (que formam 10% da população) e as mulheres.

No âmbito econômico, os dados também não são muito bons. A crise de 2011 para cá se intensificou muito e o turismo, uma das principais fontes de renda egípcia, foi significativamente prejudicado. O presidente Morsi já recebeu ajuda dos Estados Unidos mas precisa de mais. Recentemente negociou um empréstimo com o FMI. No entanto, o dinheiro só será liberado quando o país atingir certa estabilidade, isto é, quando sua Constituição for aprovada. A aprovação, em si, será o menor dos problemas para a Irmandade. O difícil mesmo será enfrentar a ira da oposição depois.

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