quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

De inimigos a aliados

Os nômades do deserto.

A situação dos tuaregues no Mali sempre foi muito complicada e nos últimos anos beirou o colapso. Foi o que aconteceu justamente no ano passado, quando o MNLA (Movimento Nacional pela Libertação do Azawad) se aliou a grupos terroristas ligados à AQMI para tomar o norte de Mali e anunciar a "independência" da citada região.

Explicando assim até parece fácil, mas tudo se desenrolou de tal forma que os imbróglios atuais e futuros já não poderão ser evitados. Primeiramente, o MNLA é um grupo armado secularista politicamente falando. A maioria de seus membros, os tuaregues, são adeptos do Islã, mas não da jihad. A próxima coisa a se ter em mente é o motivo pelo qual começaram esta revolta no norte do país.

Isso aconteceu em virtude da falta de poder que os tuaregues têm e mesmo do preconceito que sofrem com relação a outros nativos de Mali. Assim sendo, a única maneira que encontraram de derrotar as tropas do governo foi a de se aliarem a grupos terroristas que estavam abarrotados de estrangeiros (que fique claro, a maioria do Magrebe). O principal deles foi o Ansar Al-Dine. Os "defensores da fé" (tradução de Ansar Al-Dine) foram os responsáveis por, a posteriori, jogarem o MNLA de lado e implantarem a Sharia em solo malinês.

Mais tarde foi tornado público, através do New York Times, que o os terroristas islâmicos agiram com a conivência do governo argelino, que mantinha uma relação muito próxima com Iyad Ag Ghaly, fundador do grupo. No entanto, quando a rebeldia saiu de controle e eles rumaram à capital Bamako, a Argélia viu o que tinha feito e abriu seu espaço aéreo para a França. Está aí o motivo de Mokhtar Belmokhtar e seu grupo terem perpetrado aquele ataque a uma indústria de gás.

Mas devemos voltar aos tuaregues, que são o alvo deste post. Ao longo dos últimos meses eles ficaram um tanto ocultos em meio a resposta dada pelas tropas africanas e francesas, que retomaram o controle das cidades ao norte do país. Há poucos dias outra notícia chamou a atenção: a de que um novo grupo armado, o MIA (Movimento Islâmico do Azawad), havia se separado do Ansar Al-Dine e aceitava negociações. A "prova" disso foi dada na segunda-feira (4), quando o líder em campo do AD, Mohamed Moussa, foi capturado e entregue às autoridades.

Aposto que devem estar se perguntando onde é que a parceria entre as tropas da missão africana e francesa e os tuaregues entra nisso tudo. Justamente agora que as cidades foram retomadas. A verdade é que os terroristas foram expulsos com certa rapidez, ou seja, eles fugiram para o deserto. Não podemos negar que os soldados africanos conhecem a região -sobretudo os especialistas do Níger- mas bem menos que os tuaregues.

E o grande objetivo da missão nós já sabemos: enfraquecer o máximo possível o poder dos terroristas na região. Em suma, a região norte do Mali -que tem o tamanho do Texas- precisa ser vasculhada. O especialista Mohamed Atallah, que serviu a Força Aérea Americana e esteve entre os tuaregues, disse que eles são a melhor alternativa que franceses e africanos têm. Após seu primeiro encontro com habitantes do deserto, em 2004, ele disse: "Estava sentado no banco da frente (do veículo), era quente, estávamos comendo poeira, eu perguntei-lhe como não se perdia. Ele sorriu e disse: você conhece o GPS? Pois esse é o TPS, Tuaregue Positioning System".

Segundo Atallah, "para unir forças contra os islâmicos, é preciso integrar os tuaregues seculares nesta intervenção no norte. Eles devem expulsar os islâmicos de lá e se tornarem a verdadeira força na região. Em primeiro lugar, os tuaregues nunca os quiseram lá".

Contudo, ter os tuaregues como aliados é mais fácil na teoria do que na prática. No início da revolta eles humilharam o exército do governo, o que gerou uma raiva considerável. Deste mesmo sentimento comunga boa parte da população que habita o sul. E isso coloca a todos em uma situação bastante delicada. Os tuaregues, mesmo não gostando dos jihadistas, podem se recusar a ajudar o governo e a missão estrangeira caso suas reivindicações políticas não sejam atendidas. Ademais, eleições em Mali devem acontecer logo que as coisas estejam mais calmas. Aí eu pergunto: que político irá querer se aliar aos tuaregues? Não posso imaginar nem sequer um nome.

Para Atallah, "todo mundo quer ver os terroristas eliminados. Tuaregues seculares querem a mesma coisa. Mas eles não querem ser maltratados por soldados do Mali. O que você tem agora é uma situação onde os jovens tuaregues estão tão irritados que, se não forem controlados,  podem se juntar ao lado errado, o que agravaria o problema".

No que depender do governo, seja ele provisório ou não, as possibilidades de uma parceria com tuaregues são muito pequenas. Pelo visto mais este contratempo cairá nas mãos do presidente François Hollande, que precisará, acima de tudo, acabar com a hegemonia dos terroristas islâmicos.