segunda-feira, 18 de março de 2013

"Cada resposta resulta em uma nova pergunta"

Yair Lapid e Naftali Bennett.

Este é um conhecido provérbio iídiche que pode ser usado para explicar a coalizão do governo de Israel capitaneada por Benjamin Netanyahu. Na passada semana, após 33 longos dias de negociação, as partes finalmente chegaram a um acordo. Além do Hatnuah, Yesh Atid e Habayit Hayehudi passaram a compor o governo que tem maioria no Knesset. Pese o fato de ser apenas o primeiro passo da caminhada, muitas dúvidas já pairam sobre as cabeças dos israelenses.

Primeiramente é importante ressaltar o por que de tamanha demora para compor o governo. Dois motivos nos saltam à vista: (1) Netanyahu foi displicente e, ao contrário do que se acreditava, não procurou Naftali Bennett prontamente. Seu alvo inicial, na verdade, foi Yair Lapid, que à esta altura tinha um plano bem arquitetado e, propositalmente, recusou. (2) Passaram-se os dias e Netayahu conseguiu apenas o apoio de Tzipi Livni (que no final das contas ficará com o Ministério da Justiça). Nisso, Lapid conseguiu colocar seu plano em prática e formou uma forte aliança com Naftali Bennett. Esta aliança exigia de Netanyahu ministérios-chave, caso aderissem à coalizão, e também a exclusão de partidos haredi, como por exemplo, o Shas (parceiro de longa data do Likud).

A coligação entre o segundo e o terceiro partidos mais votados das eleições merece ser vista com bastante cuidado. Na opinião de alguns ela significou uma "traição" de Bennett a seus eleitores, haja vista que ele seria uma alternativa ao Likud não se distanciando muito do mesmo. Pudemos ver, ainda durante a campanha, cartazes do Habayit Hayehudi contendo as fotos de Bennett e do premiê. Isso agravou muito a posição do ex-membro do Likud quando da associação com Lapid. No entanto, é preciso se levar em consideração a detachment de Netanyahu anteriormente mencionada.

Enquanto isso, quem ganhava ainda mais prestígio era Lapid. Com Bennett a seu lado ele exigia mais veementemente a cadeira das Relações Exteriores, ocupada por Avigdor Lieberman antes do escândalo de corrupção que ainda não foi julgado. Netanyahu, como esperado, protegia o cargo (coisa que conseguiu fazer até o fim).

Mas a posição quase irredutível de Yesh Atid e Habayit Hayehudi não foi o único problema. Muito se falou sobre o tema dos ultra-ortodoxos, que estão isentos do serviço militar e são subsidiados pelo governo para continuarem seus estudos das sagradas escrituras. Uma das bandeiras de Lapid e Bennett era justamente o fim de tal regalia. Por isso os dois não queriam fazer parte de qualquer coalizão que contivesse o Shas.

Ao cabo de tudo eles bateram o pé e atingiram seus objetivos. Segundo a imprensa israelense os últimos dias de negociação foram exaltados, com Bennett precisando ser "o adulto de plantão" para mediar o diálogo de Netanyahu e Lapid. Na quinta-feira (14) foi anunciada a nova coalizão(ainda que o acordo não estivesse sacramentado). Mesmo tendo parceiros que não são de seu agrado, o premiê se manterá à frente do governo. Lapid "se contentou" com o Ministério das Finanças, enquanto Bennett guiará o do Comércio. Sou dos que defendem o primeiro na cadeira de Relações Exteriores, mas Netanyahu não iria deixar de cumprir sua palavra dada a Lieberman.

As mudanças que veremos prontamente (digamos dentro de 45 dias, que é prazo mínimo estipulado para que as primeiras leis cheguem até o Knesset) envolverão setores religiosos (incluindo os ultra-ortodoxos), questões políticas, educação e uma pequena reforma ministerial. Falando sobre os haredim, eles deveriam se juntar ao serviço militar com a idade de 21 anos. Caso contrário, alguns benefícios seriam cortados, como por exemplo, a segurança social. Até o momento a possibilidade de processo para os que não se apresentarem de qualquer maneira não é cogitada.

No âmbito religioso, envolvendo as negociações com Bennett, ficou acordado que instituições religiosas teriam seu status regulamentado por lei e que receberiam financiamento especial. O Ministério de Serviços Religiosos, além de dirigido pelo Habayit Hayehudi, incluiria o controle de locais sagrados e do Rabinato Chefe (que estão atualmente nas mãos dos haredim). O governo, ademais, apresentará uma lei no Knesset para definir Israel claramente como um Estado judeu. Tal norma se enquadraria como "Lei Básica", sendo necessária uma maioria especial no Parlamento israelense para confirmar ou revogá-la (se assemelha às Emendas Constitucionais no Brasil no que tange o processo de aprovação).

Chegar a um consenso com Lapid também não foi tarefa das mais simples. Ele exigiu, além do Ministério das Finanças, encabeçar o comitê ministerial encarregado dos encargos sociais. Na área da educação, cujo ministro será Shai Piron (número 2 do Yesh Atid) a ideia é implantar, dentro de seis meses, os estudos fundamentais obrigatórios para absolutamente todos os estudantes, incluindo os haredim. Last but no least, no que tange a política, a nova lei aceitará que partidos que tenham conseguido no mínimo 4% dos votos tenham acesso a cadeiras no Knesset (até o momento o mínimo é de 2%) e reduzirá o número de ministérios de 22 para 18¹.

Estes, meus caros, foram apenas os primeiros problemas enfrentados pelos novos parceiros de governo. Assim que o mandato começar oficialmente mais divergências aparecerão (esperem também pelo retorno de Avigdor Lieberman). Uma destas, como coloca bem o Times of Israel, é a questão dos assentamentos na Cisjordânia: Livni quer acelerar as negociações de paz com os palestinos enquanto Uri Ariel, Ministro da Habitação, é um defensor da expansão dos assentamentos; a aposta do Yesh Atid é que acabar com o governo tendo responsabilidades para com os palestinos, dando-lhes autonomia, enquanto Bennett pretende anexar a maior parte da Cisjordânia².

Por fim, o Ministério da Defesa ficará a cargo de Moshe Ya'alon, ex-chefe do Estado-Maior israelense. Ya'alon, de 62 anos, tem uma longa a prestigiosa carreira militar. Depois da guerra dom Yom Kippur, onde esteve entre os primeiros a atravessar o Canal de Suez, permaneceu no IDF tornando-se mais tarde chefe da unidade de elite Sayeret Matkal. Foi um dos maiores críticos da retirada unilateral da Faixa de Gaza em 2005 (quando Ariel Sharon era primeiro-ministro). Se juntou ao Likud em 2008. Para alívio de Netanyahu, suas posições sobre o Irã são parecidas (ainda que aparentemente mais moderadas)³.

¹ Coalition guidelines to chance Israel's religious status quo. Israel Hayom
² Netanyahu and his partner-rivals. Times of Israel
³ "I'm determined to lead responsibly", new defense chief says. Israel Hayom

domingo, 10 de março de 2013

A apatia custará caro

Mais quanto tempo?

A Guerra Civil na Síria está caminhando para seu segundo aniversário e já deixou um saldo de mais de 70 mil mortes e cerca de um milhão de refugiados. Apesar dos últimos sinais de negociação, Bashar Al-Assad segue com seu massacre e só agora a oposição parece estar caminhando para a unidade, o que na prática não quer dizer muita coisa. Mas afinal de contas, qual o papel dos Estados Unidos no conflito?

Analisando friamente, nenhum. Mas as coisas não são assim. Na sua qualidade de grande potência os Estados Unidos não tem apenas o direito, mas o dever moral de intervir em favor do povo sírio. Logicamente muitos leitores acham que estou exagerando. No entanto, este é exatamente o pensamento dos rebeldes e dos civis que estão sendo mortos por Assad. Outros vão ainda mais além, culpando os Americanos pela permanência do ditador no poder. Nas palavras de Rachel Kleinfeld, "muitos na região acreditam que, ao não fazer nada, o país mais forte do mundo escolheu cinicamente o resultado final: Assad no poder e civis em sacos para cadáveres"¹.

Antes de abordar o resultado desta política de não-intervenção direta Americana, faz-se necessário compreender por quê o senhor Barack Obama quer tanto fugir do conflito. O primeiro motivo é o compreensível medo de se envolver novamente em uma guerra sem ter previsão de saída. Este argumento é sólido e contundente no que tange a entrada de tropas americanas em solo sírio. Mas e a questão das armas? Acredito que este seja o ponto mais delicado. Partindo do pressuposto de que cada revolução dentro da complexa Primavera Árabe tem suas peculiaridades, comparemos o caso sírio com o líbio: no país norte-africano os americanos ministraram armas aos rebeldes desde o início do conflito, haja vista que a queda de Muamar Kadafi era muito clara. No final das contas, estas armas caíram nas mãos de jihadistas, muitos dos quais invadiram o norte do Mali e chegaram até mesmo a implantar a sharía. Vale lembrar também que o embaixador Christopher Stevens foi morto após um ataque terrorista em Benghazi.

E aí vem o questionamento acerca da segunda razão pela qual governo do senhor Obama não forneceu armas aos rebeldes sírios desde a fase inicial do conflito. Isso aconteceu basicamente porque, dentre as revoltas, a da Síria era a mais desacreditada. O processo de oposição ao governo Assad foi inicialmente gradativo. Os primeiros a protestar eram uma minoria. A revolta foi se intensificando conforme Assad coibia violentamente os protestos mas, ainda assim, tendo a maioria a seu lado. O momento-chave da divisão e da perda de controle por parte de seu clã foi quando os sunitas, majoritariamente, pegaram em armas e aí foi decretada oficialmente uma Guerra Civil. Neste meio tempo as mortes já passavam de 20 mil. Uma violenta guerra visando o controle do país era mais do que clara. Só a CIA não conseguia (ou não queria) enxergar.

Quando o genral Martin Dempsey juntamente com Leon Panetta, Hillary Clinton e o então chefe da CIA, David Petraeus, criaram um plano cujo objetivo era armar os rebeldes, o senhor Obama vetou. Agora o número de mortos, como mencionado na introdução, ultrapassa os 70 mil e as únicas esperanças recaem sobre os guerreiros jihadistas, que estão melhor armados e preparados. Em meu último podcast comentei sobre estes terroristas, com foco maior para o Jabaht Al-Nursa, que é o mais forte deles. Mas se a Síria, antes da revolução, era um verdadeiro exemplo de convivência de diferentes povos porque esta aproximação com os ideias dos extremistas islâmicos? Ainda que o leitor não acompanhe o conflito, os argumentos tecidos anteriormente já respondem com clareza tal pergunta.

Aproveitando-se justamente deste abandono internacional terroristas de outros países ofereceram apoio e armas, em troca "apenas" de propagarem suas ideias radicais do Alcorão. Como se não bastasse isso, alguns dos países "amigos" dos rebeldes financiam descaradamente o terrorismo. O melhor exemplo é a Arábia Saudita. Apoiar os jihadistas na Síria dá a Ryadh a oportunidade de enviar seus próprios radicais ao país, onde podem lutar e possivelmente morrer. Com um grande número de jovens desempregados, subempregados e marginalizados, a jihad na Síria oferece uma "válvula de escape" como no Iraque, na Chechênia, na Bósnia e no Afeganistão. Os relatórios indicam também que os jovens estão viajando de graça e recebendo um salário por seus serviços². Nem é preciso comentar os prejuízos que este momentâneo alívio causarão a Ryadh a médio/longo prazo. E este também não é o tema da análise.

Passemos finalmente aos comentários sobre o custo da não-intervenção Americana. De uma forma simplista e concisa ela só aumentará o ódio para com os Estados Unidos. Há pessoas por aí, me refiro aos anti-americanos de plantão, que fomentam este ódio devido aos EUA se meterem naquilo que não os interessa como por exemplo, ainda na visão deles, conflitos externos. Pelo visto o senhor Barack Obama pensa a mesma coisa. Para o professor Rami Khouri, "isso soa como uma política razoável mas, na verdade, é um fracasso total. Na verdade, traz o resultado que Washington diz querer evitar -a ascensão, ou mesmo o domínio, destes grupos islâmicos que odeiam os EUA. O governo americano fala corajosamente em derrubar Assad mas pouco faz para consegui-lo. Enquanto isso militantes islâmicos têm armas e vão acumulando vitórias passando, portanto, a ganhar a confiança das pessoas comuns de todo o país".

Ainda que o cenário pareça cada vez mais nebuloso daqui para frente, a posição irredutível de Washington permanece. Na semana passada o novo Secretário de Estado, John Kerry, anunciou a doação de US$ 60 milhões para ajuda humanitária, o que não suprirá todas as carências -físicas e militares- do povo sírio.

¹ The case for arming sirian rebels. Rachel Kleinfeld. Carnegie Endowment. http://carnegieendowment.org/2013/02/24/russia-s-foreign-and-security-policy-update/fktt

² The consequences of intervening in Syria. Scott Stewart. Stratfor. http://www.stratfor.com/weekly/consequences-intervening-syria?utm_source=freelist-f&utm_medium=email&utm_campaign=20130131&utm_term=sweekly&utm_content=readmore&elq=6e39f05dfde94ca489ed89b52f6e10a6

sexta-feira, 1 de março de 2013

Pobres italianos

Diferenças? O cabelo, talvez. TELEGRAPH.

No início desta semana foram realizadas eleições na Itália e o resultado não poderia ser mais caótico. O Partido Democrata (coalizão de centro-esquerda) de Pier Luigi Bersani venceu, como todos esperavam, mas com pequena vantagem sobre O Povo da Liberdade (partido de Berlusconi) tanto na Câmara quanto no Senado, o que dificultará -e muito- a formação de uma sólida coalizão de governo.

Na câmara (630 cadeiras no total) o PD conquistou 29,54% do eleitorado, o que significou a conquista de 345 cadeiras (contando também os assentos de bonificação dados ao vencedor). O PDL teve 29,18% dos votos e ficou 125 cadeiras. No Senado (cujo total de cadeiras é 315), a vantagem esquerdista também foi pequena: 31,63% para Bersani e 30,72% para Berlusconi. É importante mencionar que há menos de três meses as intenções de voto do PDL não passavam de 14%. Mas ainda não é o momento de entrarmos no jogo político de Il Cavaliere.

Como se já não bastasse esta pequena vantagem para o PD, o Movimento 5 Estrelas do comediante (?) Beppe Grillo foi o terceiro partido mais votado tanto na Câmara quanto no Senado. Na primeira conquistou assustadores 25,55%, que se traduz em nada menos do que 109 representantes. No Senado foram 23,79%, ou seja, 54 cadeiras. As estatísticas dizem que um em cada quatro italianos votou em Grillo.

Il Professore Mario Monti, que inicialmente não queria entrar na política findado seu governo tecnocrático, mudou de ideia e possivelmente saiu muito desgostoso. Conquistou 19 cadeiras no Senado (9,13%) e colocará 47 parlamentares na Câmara (10,56%). Claramente suas medidas de austeridade que tanto agradaram a UE foram impopulares no âmbito interno. Agora o Partido Popular Europeu, precisará engolir Berlusconi novamente, depois de tê-lo chutado há não muito tempo e acolhido o senhor Monti.

O populismo venceu

Se é que houve um grande vencedor nestas eleições foi o populismo. As promessas vagas e completamente infundamentadas de Berlusconi e Beppe Grillo conquistaram um povo vulnerável e abalado por uma forte crise econômica. Mesmo que alguém duvide, é inegável que o populismo é uma das armas políticas mais cruéis e covardes que existem.

Berlusconi (o Bunga-Bunga) prometeu reembolsar os contribuintes de impostos impopulares. E, pasmem! Ainda assim ele não foi deliberadamente acusado de compra de votos. É provável que exista a dúvida acerca de por que o dono do Milan recebeu tantos votos mesmo sendo acusado de infinitos delitos (inclusive o de manter relações sexuais com uma garota de 17 anos, Ruby). A resposta é simples: além de promover medidas descaradas e populistas, ele é dono de grandes veículos de comunicação italianos, ou seja, tem uma influência abissal na mídia que lhe permite se acercar à população de uma forma mais direta.

E como explicar o fenômeno Grillo? Pura e simplesmente indignação. Com alardeantes índices de corrupção (dentre os maiores da Europa), recortes impopulares e políticos que não passam confiança alguma, as pessoas preferiram votar em um partido que, apesar de maluco e não ter um plano de governo concreto, é ao menos honesto e fará o possível para dificultar a vida dos corruptos (pelo menos a princípio). Os eleitores de Grillo são, na sua maioria, homens mais velhos, de melhor nível educacional e acima da média de desemprego¹.

Chegou a hora da verdade

Nesta sexa-feira (1º), o presidente Giorgio Napolitano comunicou que fará o possível para que uma coalizão seja formada e refutou quaisquer possibilidades de retorno imediato às urnas: "Eu não estou interessado em votar novamente". Ademais, disse que o próximo presidente -seu mandato termina em maio- seguramente pensará a mesma coisa.

O problema é que a única coalizão de governo mais provável, entre Bersani e Monti, seria demasiado frágil e insuficiente para guiar o país. Logo após a divulgação dos resultados oficiais Grillo fez absoluta questão de ressaltar que, a priori, não aceitaria entrar em qualquer coalizão de governo. Ademais, descreveu Bersani como "um homem morto falando". 

Até mesmo a possibilidade de uma grande coalizão PDL-PD chegou a ser cogitada, mas ambos refutaram tal ideia absurda. A imprensa italiana, mesmo exagerando em muitos aspectos, tem razão em dizer que, de momento, a Itália é ingovernável. Se estiverem pensando em uma coalizão Monti-Berlusconi, esta também está descartada. O PDL rompeu com o governo do tecnocrata no fim do ano passado visando justamente as eleições.

Segundo a Reuters², se Bersani não conseguir formar um governo ele poderá ser substituído pelo jovem Matteo Renzi, prefeito de Florença. Ele pertence à ala mais moderada do PD (Bersani, por outro lado, era do Partido Comunista) e perdeu nas primárias do partido por uma pequena diferença. Por enquanto, o cenário político italiano é quase tão caótico quanto na época em que Berlusconi era o primeiro ministro.

¹ "Circus Maximus (II). Caio Blinder. http://veja.abril.com.br/blog/nova-york/italia/circus-maximus-ii/

² "Italian president rules out new vote as parties wrangle". Reuters World. http://www.reuters.com/article/2013/03/01/us-italy-vote-idUSBRE9200EJ20130301