quarta-feira, 10 de julho de 2013

Mohamed Morsi não é mais o presidente do Egito

Comemoração na Praça Tahrir.

Nesta quarta-feita (3) Mohamed Morsi foi oficialmente deposto. Os intensos protestos organizados pelos opositores resultaram em uma intervenção militar que tirou o (ex?) membro da Irmandade Muçulmana da chefia do poder executivo.

No passado dia 30 de junho Mohamed Morsi completou seu primeiro ano na presidência. Para que esta data realmente fosse marcante seus adversários organizaram intensos protestos que tinham apenas um fim: derrubar o presidente. Liderados pelo grupo Tamarod (rebelião), eles se mobilizaram no país todo e prometeram não descansar até que Morsi abandonasse o cargo.

A Irmandade Muçulmana, por sua vez, fez com que seus militantes se preparassem para defender a legitimidade do presidente. Desde sexta-feira eles acamparam em frente ao palácio presidencial esperando pelos opositores.

O exército disse que só iria interferir caso a situação se tornasse ainda mais caótica. E foi exatamente o que aconteceu. Na segunda-feira (1), através de um comunicado oficial, deram 48 horas para o presidente Mohamed Morsi apresentar uma resposta satisfatória ao povo. O engenheiro disse que seu poder estava em consonância com as forças armadas e que não toleraria qualquer golpe. Esta foi claramente uma resposta aos militares, e não aos manifestantes.

Nas ruas, pouco a pouco, os confrontos entre os pró e os anti-Morsi iam se intensificando. A sede da Irmandade Muçulmana em Alexandria foi atacada após um dos membros atirar contra os manifestantes. O Egito esteve (e para falar a verdade ainda está) à beira de uma guerra civil. Os relatos de violência (incluindo  46 agressões sexuais) e os 16 mortos deixam isso muito claro.

Mas como as coisas chegaram a este extremo?

Para entender as circunstâncias que levaram à queda de Morsi, devemos fazer uma retrospectiva até o cenário político egípcio logo que o ditador Hosni Mubarak foi deposto. Na época os militares também tiveram um papel vital, se encarregando das eleições parlamentares e da organização das presidenciais.

Como expliquei em minha análise da Primavera Árabe realizada no ano passado, a ascensão da Irmandade Muçulmana (da qual falei aqui e aqui) era mais do que lógica. Afinal de contas, não havia qualquer outro grupo organizado. No entanto, o fato de Ahmed Shafiq, ex-ministro das relações exteriores de Mubarak, ter ficado na segunda colocação revelou o receio que parte dos seculares sentiam da Irmandade e seu candidato.

A maioria dos observadores externos não sabia o que pensar da entidade. Para eles o fato de Morsi ter se afastado dela oficialmente (o que não corresponde à realidade) e algumas divergências iniciais com personalidades políticas muçulmanas mostravam que ele seria um presidente "moderado". A grande ajuda do governo Obama desde o início do mandato também moldou o pensamento das demais nações ocidentais.

Mediar o cessar-fogo entre Israel e o Hamas só abrilhantou a imagem de Morsi. Mas a "lua-de-mel" com o Ocidente durou pouco. A coisa começou a mudar de figura quando ele anunciou um decreto faraônico no qual submetia todas as decisões a seu poder sem revisão judicial até que uma nova Constituição fosse elaborada. Apesar do autoritarismo, não houve pressão externa e os protestos dentro do país foram facilmente controlados.

O autoritarismo da Irmandade e a desorganização da oposição

Passados alguns meses desde que assumiu o poder já era evidente o caráter autoritário de dr. Morsi e a influência da Irmandade no governo. Ainda que não tenha conseguido afastar a "ameaça" dos militares (Abdul Fattah Al-Sissi se tornou ministro da defesa) ele fez o que pôde (o general Hussein Tantawi foi aposentado compulsoriamente). Ademais, a disputa com o judiciário remanescente de Mubarak (por isso chamado de felul) era cada vez maior.

O único problema que Morsi não conseguia enfrentar era o da economia. Nem a ajuda do governo americano foi suficiente. O empréstimo do FMI não foi liberado porque as negociações emperraram. Enquanto isso o povo perecia e saía às ruas protestando contra o governo.

Não vendo outra saída possível, aqueles se intitulavam opositores formaram uma coalizão -- a Frente de Salvação Nacional -- capitaneada por Mohamed El-Baradei. A única coisa que os unia era a vontade de derrubar Morsi. Resultado: não houve qualquer discurso que pudesse ao menos propor uma alternativa para a população. Nada de propostas, apenas "Fora Morsi".

A gota d'água e a intervenção militar

Enquanto a oposição se concentrava em bater em Morsi e na Irmandade, a qualidade de vida dos egípcios ficava cada vez mais precária (o valor da libra caiu 25% em relação ao dólar desde o fim do governo Mubarak). Isso durou até o momento em que o povo resolveu dar um basta.

Durante todo o mês de junho os protestos se tornaram mais contundentes. A aliança de Morsi com o Al-Gama'a Al-Islamiya, um grupo assumidamente terrorista, só piorou as coisas. Na passada quarta-feira o presidente foi ridicularizado em público por seu discurso lamentável. O grupo Tamarod disse que juntou 22 milhões (!) de assinaturas pedindo sua saída. Os comícios organizados pela Irmandade foram insignificantes. 

Quando a situação política beirava o colapso os militares interviram. Após uma reunião com representantes da FSN, da Igreja Copta e muçulmanos, Abdul Fattah Al-Sissi, por volta de 21h00 horário local, anunciou as modificações e o plano político futuro para o Egito: (1) suspensão da Constituição; (2) eleições antecipadas serão realizadas; (3) a chefia do executivo ficará a cargo do presidente da Suprema Corte Constitucional (Adly Mansur); (4) será formado um governo de coalizão nacional; e (5) haverá uma comissão para analisar emendas à Constituição.

Em apoio à atitude dos militares e em tom conciliador falaram Mohamed El-Baradei, o papa copa Tawadros II e o grande imã de Al-Azhar, Sheikh Ahmed El-Tayyeb. Contudo, o que ainda preocupa é uma possível (e até provável) reação da Irmandade Muçulmana. O primeiro comunicado do grupo, que inclusive teve apoio do partido salafista Watan, dizia que este "golpe" não seria tolerado. E nem é preciso dizer que a Irmandade é uma organização extremamente forte e influente.

Concluindo: acho sim que a população tem motivos para comemorar (sobretudo os coptas) e vejo com bons olhos a intervenção militar. Só acho que este foi apenas o primeiro passo para os egípcios. Agora eles precisarão estar preparados pela resposta da Irmandade (seus partidários já cantaram "reação, reação, reação" depois do anúncio de El-Sissi) e para resistirem a este quadro econômico que ainda é demasiadamente complicado.

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