domingo, 10 de março de 2013

A apatia custará caro

Mais quanto tempo?

A Guerra Civil na Síria está caminhando para seu segundo aniversário e já deixou um saldo de mais de 70 mil mortes e cerca de um milhão de refugiados. Apesar dos últimos sinais de negociação, Bashar Al-Assad segue com seu massacre e só agora a oposição parece estar caminhando para a unidade, o que na prática não quer dizer muita coisa. Mas afinal de contas, qual o papel dos Estados Unidos no conflito?

Analisando friamente, nenhum. Mas as coisas não são assim. Na sua qualidade de grande potência os Estados Unidos não tem apenas o direito, mas o dever moral de intervir em favor do povo sírio. Logicamente muitos leitores acham que estou exagerando. No entanto, este é exatamente o pensamento dos rebeldes e dos civis que estão sendo mortos por Assad. Outros vão ainda mais além, culpando os Americanos pela permanência do ditador no poder. Nas palavras de Rachel Kleinfeld, "muitos na região acreditam que, ao não fazer nada, o país mais forte do mundo escolheu cinicamente o resultado final: Assad no poder e civis em sacos para cadáveres"¹.

Antes de abordar o resultado desta política de não-intervenção direta Americana, faz-se necessário compreender por quê o senhor Barack Obama quer tanto fugir do conflito. O primeiro motivo é o compreensível medo de se envolver novamente em uma guerra sem ter previsão de saída. Este argumento é sólido e contundente no que tange a entrada de tropas americanas em solo sírio. Mas e a questão das armas? Acredito que este seja o ponto mais delicado. Partindo do pressuposto de que cada revolução dentro da complexa Primavera Árabe tem suas peculiaridades, comparemos o caso sírio com o líbio: no país norte-africano os americanos ministraram armas aos rebeldes desde o início do conflito, haja vista que a queda de Muamar Kadafi era muito clara. No final das contas, estas armas caíram nas mãos de jihadistas, muitos dos quais invadiram o norte do Mali e chegaram até mesmo a implantar a sharía. Vale lembrar também que o embaixador Christopher Stevens foi morto após um ataque terrorista em Benghazi.

E aí vem o questionamento acerca da segunda razão pela qual governo do senhor Obama não forneceu armas aos rebeldes sírios desde a fase inicial do conflito. Isso aconteceu basicamente porque, dentre as revoltas, a da Síria era a mais desacreditada. O processo de oposição ao governo Assad foi inicialmente gradativo. Os primeiros a protestar eram uma minoria. A revolta foi se intensificando conforme Assad coibia violentamente os protestos mas, ainda assim, tendo a maioria a seu lado. O momento-chave da divisão e da perda de controle por parte de seu clã foi quando os sunitas, majoritariamente, pegaram em armas e aí foi decretada oficialmente uma Guerra Civil. Neste meio tempo as mortes já passavam de 20 mil. Uma violenta guerra visando o controle do país era mais do que clara. Só a CIA não conseguia (ou não queria) enxergar.

Quando o genral Martin Dempsey juntamente com Leon Panetta, Hillary Clinton e o então chefe da CIA, David Petraeus, criaram um plano cujo objetivo era armar os rebeldes, o senhor Obama vetou. Agora o número de mortos, como mencionado na introdução, ultrapassa os 70 mil e as únicas esperanças recaem sobre os guerreiros jihadistas, que estão melhor armados e preparados. Em meu último podcast comentei sobre estes terroristas, com foco maior para o Jabaht Al-Nursa, que é o mais forte deles. Mas se a Síria, antes da revolução, era um verdadeiro exemplo de convivência de diferentes povos porque esta aproximação com os ideias dos extremistas islâmicos? Ainda que o leitor não acompanhe o conflito, os argumentos tecidos anteriormente já respondem com clareza tal pergunta.

Aproveitando-se justamente deste abandono internacional terroristas de outros países ofereceram apoio e armas, em troca "apenas" de propagarem suas ideias radicais do Alcorão. Como se não bastasse isso, alguns dos países "amigos" dos rebeldes financiam descaradamente o terrorismo. O melhor exemplo é a Arábia Saudita. Apoiar os jihadistas na Síria dá a Ryadh a oportunidade de enviar seus próprios radicais ao país, onde podem lutar e possivelmente morrer. Com um grande número de jovens desempregados, subempregados e marginalizados, a jihad na Síria oferece uma "válvula de escape" como no Iraque, na Chechênia, na Bósnia e no Afeganistão. Os relatórios indicam também que os jovens estão viajando de graça e recebendo um salário por seus serviços². Nem é preciso comentar os prejuízos que este momentâneo alívio causarão a Ryadh a médio/longo prazo. E este também não é o tema da análise.

Passemos finalmente aos comentários sobre o custo da não-intervenção Americana. De uma forma simplista e concisa ela só aumentará o ódio para com os Estados Unidos. Há pessoas por aí, me refiro aos anti-americanos de plantão, que fomentam este ódio devido aos EUA se meterem naquilo que não os interessa como por exemplo, ainda na visão deles, conflitos externos. Pelo visto o senhor Barack Obama pensa a mesma coisa. Para o professor Rami Khouri, "isso soa como uma política razoável mas, na verdade, é um fracasso total. Na verdade, traz o resultado que Washington diz querer evitar -a ascensão, ou mesmo o domínio, destes grupos islâmicos que odeiam os EUA. O governo americano fala corajosamente em derrubar Assad mas pouco faz para consegui-lo. Enquanto isso militantes islâmicos têm armas e vão acumulando vitórias passando, portanto, a ganhar a confiança das pessoas comuns de todo o país".

Ainda que o cenário pareça cada vez mais nebuloso daqui para frente, a posição irredutível de Washington permanece. Na semana passada o novo Secretário de Estado, John Kerry, anunciou a doação de US$ 60 milhões para ajuda humanitária, o que não suprirá todas as carências -físicas e militares- do povo sírio.

¹ The case for arming sirian rebels. Rachel Kleinfeld. Carnegie Endowment. http://carnegieendowment.org/2013/02/24/russia-s-foreign-and-security-policy-update/fktt

² The consequences of intervening in Syria. Scott Stewart. Stratfor. http://www.stratfor.com/weekly/consequences-intervening-syria?utm_source=freelist-f&utm_medium=email&utm_campaign=20130131&utm_term=sweekly&utm_content=readmore&elq=6e39f05dfde94ca489ed89b52f6e10a6

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